São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Troca de presos é única solução, diz ex-refém

Libertado pelas Farc na terça-feira, Alan Jara afirma que é preciso haver negociação entre governo colombiano e guerrilha

Em entrevista à Folha, ele relata seu cotidiano no cativeiro e conta como foi somente escutar o filho, hoje com 15 anos, crescer

MAURÍCIO MORAES
EM BOGOTÁ

Na última terça-feira, Alan Jara, 51, foi finalmente libertado, após sete anos e sete meses em poder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O ex-governador da Província colombiana de Meta é parte do último grupo de prisioneiros políticos das Farc, que mantêm outras centenas de cativos na selva colombiana. Ele critica a posição irredutível do presidente Álvaro Uribe em não negociar com a guerrilha e pede um acordo humanitário para acabar com o sofrimento de outros prisioneiros.
Quando ainda descia do helicóptero do Exército brasileiro que participou da operação, ganhou um forte abraço do filho, Alan Felipe, 15. O garoto tinha apenas sete anos quando Jara foi sequestrado pela guerrilha colombiana. "Estamos nos conhecendo novamente", conta o homem franzino, de voz firme.
A iniciativa unilateral da guerrilha de liberar Jara e outros cinco prisioneiros, entre eles o ex-deputado Sigifredo López, é vista tanto como um sinal de enfraquecimento do grupo quanto uma tentativa de negociação com o governo a um ano das eleições presidenciais.
Logo de depois de caminhar sete semanas e ser libertado, Jara se mostra uma voz crítica à postura irredutível do presidente Álvaro Uribe de não negociar com as Farc. "O Estado forte que permite este enfrentamento é o mesmo Estado que pode fazer o intercâmbio humanitário", diz.
Engenheiro de formação, Jara viveu sete anos na antiga União Soviética. Ele diz que o número sete lhe persegue: ele nasceu num dia 17 de julho do ano de 1957. Ironicamente, sua primeira entrevista a um veículo estrangeiro foi dada no último dia 7, sábado, à Folha, num restaurante de Bogotá. Era a primeira vez que Jara deixava sua cidade, Villavicencio, para seguir à capital colombiana. Junto do filho, Jara escolheu um prato de frutos do mar. "Foram sete anos repetindo o mesmo menu, arroz branco e macarrão cozido com sal", diz. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

 

FOLHA - Como o sr. recebeu a noticia da libertação?
ALAN JARA - No dia 18 de dezembro, estávamos em cinco prisioneiros num acampamento móvel, e um dos comandantes guerrilheiros nos avisou que tínhamos de arrumar tudo. Então ele me tirou do acampamento, mas ninguém me informou que eu iria ser liberado. Desconfiei quando o comandante me disse que eu levava muitas coisas e me pediu que deixasse algumas. O mais importante na selva é um rádio, porque é o único contato com o mundo exterior. Então eu pedi para deixar meu rádio com meus companheiros. Quando ele disse que sim, entendi que ia ser libertado. Aí iniciamos um caminho de sete semanas pela selva até a libertação.

FOLHA - Como era a relação com os guerrilheiros?
JARA - Os guerrilheiros ficam apartados, num acampamento próprio. Somente os guardas ficam perto, mas não eram autorizados a conversar com os prisioneiros. Somente nestas últimas sete semanas houve um contato permanente com a guerrilha, porque eu era a única pessoa que ia com eles. Aí me dei conta de como eles viviam. São jovens que chegaram à guerrilha porque não tiveram outra oportunidade. Problemas sociais, pobreza... Muitos buscando um modo de fazer a vida. A pobreza fez muitos irem trabalhar em áreas de cultivos de coca, até que o governo destruiu seus cultivos. Não lhes sobrava muita opção. Muitos acabaram escolhendo a guerrilha.

FOLHA - Na sua libertação, no ano passado, a ex-refém Clara Rojas apareceu beijando os guerrilheiros ao se despedir. No seu caso, houve em algum momento uma relação que se pode dizer amistosa?
JARA - Não. Digamos que os encarregados de levar nossa comida não eram nunca ofensivos. O trato é cordial, mas se está privado da liberdade, longe da família. Não se pode falar em amizade.

FOLHA - Qual foi o pior momento no cativeiro?
JARA - Foram muitos... Um pessoal: no dia em que fazia um ano que estava preso, morreu minha mãe. Foi muito duro não estar ao lado dela. Também foi difícil quando mataram o governador Alberto Gaviria e outros prisioneiros [numa tentativa frustrada de resgate do governo]. O comandante então nos avisou: se tentarem fazer o resgate, vamos tirá-los daqui; se não conseguirmos, mataremos vocês. Foi muito difícil.

FOLHA - Como percebia o mundo exterior vivendo encarcerado no meio da selva?
JARA - O mundo nos chegava pelo rádio. Em muitos momentos, meu filho e minha mulher me mandaram cartas, roupas, mas isso nunca chegou a mim. Eu só sabia como eles estavam pelas transmissões. Era muito duro... eu não vi o meu filho crescer, apenas escutei o meu filho crescer. Foram 2.760 noites, mas na selva se perde a noção do tempo. Que importa se é sábado ou domingo, dezembro ou janeiro? Nada muda.

FOLHA - E a política colombiana? Mudou neste tempo?
JARA - Eu percebo que o país está muito radicalizado. Ou se está com o presidente ou se está contra ele. Já não há posição intermediária. Eu mesmo fiz uma declaração dizendo que um resgate com armas de fogo conduziria à morte quem está preso. Considero que a única alternativa é o intercâmbio humanitário de prisioneiros. Mas porque eu disse isso, disseram que se trata de um ataque político ao presidente. Não... isso é uma declaração humanitária.

FOLHA - Uribe fez declarações condenando os "intelectuais próximos às Farc". Me parece uma clara menção ao grupo Colombianos pela Paz, liderado pela senadora Piedad Córdoba, no qual o sr. agora ingressou. Como o sr. vê esta declaração?
JARA - É sempre bom falar com clareza. Se o presidente tem uma denúncia, deve dar nomes.

FOLHA - A impressão que temos no exterior é que a política de enfrentamento de Uribe enfraqueceu as Farc. Como vê esse enfrentamento?
JARA - A política de segurança democrática avançou. Eu fiz uma viagem por terra [de Villavicencio] para te dar esta entrevista, o que antes era impossível, porque a guerrilha atacava nas estradas. É inegável que o governo golpeou as Farc. Por isso mesmo eu disse que o Estado forte que permite esse enfrentamento é o mesmo Estado que pode fazer o intercâmbio humanitário. Se fosse um Estado fraco, não poderia negociar. Não entendo a razão do medo de fazer um intercâmbio.

FOLHA - O sr disse que as Farc não estão enfraquecidas como se diz.
JARA - As Farc têm uma rede de abastecimento e armamento que funciona, com gente ingressando na guerrilha. Não estão acabadas. Claro que há fragilidades. Mas os guerrilheiros de acampamentos atacados acabam se organizando em outros, onde seguem fortes.

FOLHA - Por que as Farc o sequestraram?
JARA - Durante o governo Andrés Pastrana (1998-2002), as Farc tentaram fazer um acordo, liberando prisioneiros. Mas não houve uma contrapartida do Estado colombiano. Naquela ocasião, as Farc resolveram sequestrar políticos para pressionar o governo. Por isso me sequestraram e também a outros políticos. Depois veio Uribe com a política de derrotar as Farc e disse não a qualquer ideia de intercâmbio. As liberações estão acontecendo por causa da pressão internacional.

FOLHA - Como o sr vê o papel do presidente venezuelano Hugo Chávez, que resultou na soltura de Clara Rojas e outros reféns?
JARA - Graças ao presidente Chávez e à senadora Piedad Córdoba se abriu esta fresta. A porta estava fechada antes, por muitos anos. Depois veio a operação que matou [Manuel] Marulanda [o líder das Farc], e tudo ficou congelado. Se não houver intercâmbio, centenas de vidas estão em perigo. E se estão lá [na selva], por dez, 11 anos, é porque o Estado colombiano os abandonou.

FOLHA - A operação que o resgatou teve colaboração do Exército do Brasil. Houve contato com os pilotos?
JARA - O contato foi muito rápido, mas muito cordial. Sou muito grato ao Brasil. Para vocês, brasileiros, só tenho duas palavras: muito obrigado. Permita-me agradecer ao presidente Lula, ao Exército do Brasil e a estes garotos [pilotos] que puseram em risco suas próprias vidas. Muito obrigado a todo o povo do Brasil.

FOLHA - Houve uma denúncia de que o aviões do exército colombiano sobrevoaram a selva, infringindo o acordo de liberação com as Farc.
JARA - Eu mesmo vi aviões sobrevoando a área. O Exército colombiano já admitiu que foi um erro. E isso quase frustrou a operação... Foi terrível. Depois de muito esperar e vendo a liberdade ali, ao alcance da mão... Foi terrível. Eu mesmo disse ao presidente: "Assim você me mata!" [quando proibiu a participação de Piedad Córdoba, após denuncias do sobrevoos dos aviões]. Uribe me respondeu: "Atuei com o coração". Pois que continue atuando mais com o coração.

FOLHA - Como vê a possibilidade de um terceiro mandato para Uribe?
JARA - Eu creio nas palavras do presidente, que ouvi lá na selva mesmo. Ele disse: "Não é bom que as pessoas se perpetuem no poder". Estou de acordo com ele. Há muitos colombianos capacitados para dirigir o país. Não é possível que só uma pessoa possa ser presidente.

FOLHA - O que o sr tem feito depois da libertação?
JARA - Falar, falar e falar... contar o que aconteceu. E ficar com minha família. Quando me levaram, meu filho tinha sete anos e meio. Agora tem 15. Pela rádio, eu o ouvia dizendo: "Papai, acabei o ensino primário e vou ao quinto ano". Depois já dizia que iria ao ensino médio. E eu pensava: "Poxa... já se foram três ou quatro anos". Depois seis ou sete. Encontrei outra pessoa. Estamos nos conhecendo novamente.


Texto Anterior: Paquistão: Rebeldes divulgam vídeo em que matam refém
Próximo Texto: Eutanásia: Itália aponta "anomalia" em clínica de Englaro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.