São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Xiitas desistem de boicote, mas aiatolá Al Sistani diz que texto interino dificulta formulação da Carta permanente

Constituição é aprovada sob crítica xiita

DA REDAÇÃO

O Conselho de Governo Iraquiano assinou ontem a Constituição interina que regerá o país até outubro de 2005, também chamada Lei Transitória Administrativa. A ratificação só ocorreu após três adiamentos na última semana -o último deles na sexta-feira, quando cinco membros xiitas do grupo vetaram a Carta sob orientação do aiatolá Ali al Sistani.
Após discussões que se estenderam pelo fim de semana, os xiitas aceitaram a Carta sem alterações, também sob orientação de Al Sistani. Mas o aiatolá emitiu um comunicado em que critica o texto e afirma que ele será um "obstáculo à formulação de uma Constituição permanente que garanta a unidade do Iraque e os direitos de todos os seus filhos".
A Carta, cuja aprovação faz parte do plano americano para o país ocupado, inclui 13 artigos de proteção aos direitos humanos e é vista como uma das mais modernas e liberais da região. Nesse sentido, um dos aspectos de maior repercussão é a adoção do islã como religião oficial, mas não como fonte da lei.
O documento foi endossado por 21 dos 25 membros do conselho -os quatro restantes enviaram representantes-, em uma cerimônia que reuniu autoridades americanas e iraquianas.
"Não há dúvida de que esse documento vai fortalecer a unidade iraquiana de um modo nunca visto antes", disse o curdo Massud Barzani, que integra o conselho.
O presidente dos EUA, George W. Bush, também celebrou o fato: "Embora ainda exista um trabalho difícil a ser feito para estabelecer a democracia no Iraque, a ratificação de hoje [ontem] é um passo importante nessa direção".
Mas a aprovação não é unânime. "Nenhuma lei preparada para o período transitório terá legitimidade, a menos que seja aprovada por uma Assembléia Nacional eleita", disse Al Sistani, que, nos últimos meses, se firmou como a principal força política do país fora do governo.
Com grande influência sobre os xiitas, que perfazem cerca de 60% da população e têm 13 dos 25 assentos no conselho iraquiano, suas opiniões têm ganhado espaço e já levaram os EUA a alterar seus planos para o país.
As críticas do clérigo xiita que adiaram a assinatura da Carta na última sexta-feira contestavam dois pontos: uma cláusula que, na prática, dá aos curdos o poder de vetar a Constituição; e o formato do governo interino, que teria um presidente, dois vices e um premiê -Al Sistani quer uma Presidência compartilhada entre três xiitas, um sunita e um curdo.
Anteontem, os políticos xiitas afirmaram ter voltado atrás porque "não queriam ser acusados de prejudicar a transição política". Em 30 de junho, os EUA devolverão aos iraquianos sua soberania.
O governo interino que assume então deve ficar no poder, no máximo, até dezembro de 2005, quando será substituído por um governo democraticamente eleito. As regras da eleição constarão da Constituição definitiva, escrita por uma assembléia eleita em janeiro de 2005 e votada em referendo até o fim de outubro.
O modelo do governo interino foi um dos principais pontos de tensão entre os iraquianos -sobretudo os xiitas- e a Autoridade Provisória da Coalizão, liderada pelos EUA. A Lei Transitória não define seu formato, deixando espaço para uma cláusula adicional a ser apresentada até 30 de junho, mas define que ele seja escolhido por meio de um processo abrangente de consulta popular, ainda que sem o voto direto.
A mudança é uma das que foram feitas em atenção às demandas de Al Sistani -inicialmente, os EUA defendiam um complexo sistema de convenções regionais com representantes nomeados.


Com agências internacionais

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