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Invasões são rotineiras no Equador
País convive com incursões das Farc e de militares e abriga milhares de deslocados do país vizinho
"Aqui dormimos ouvindo os tiroteios", conta moradora de povoado equatoriano, que critica ausência do Estado na região fronteiriça
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LAGO AGRIO E PUERTO NUEVO (EQUADOR)
"Aqui dormimos ouvindo os
tiroteios, com medo de bala
perdida todo dia. Agora vêm os
militares, dão uma voltinha e
vão embora. Isso é proteção?",
diz a professora equatoriana
Marcia Rodríguez, 32, enquanto monitora uma partida de futebol entre seus alunos -colombianos de cá versus colombianos do lado de lá da fronteira-, no empoeirado povoado
de Puerto Nuevo.
Marcia, que não votou no
presidente equatoriano, Rafael
Correa, em 2006, se diz irritada
com o barulho em torno do
bombardeio ao acampamento
das Farc a dezenas de quilômetros dali. "Por que não fizeram
tanto barulho quando um homem daqui ficou ferido?"
Puerto Nuevo, às margens do
rio San Miguel, que demarca a
fronteira com a Colômbia, é
uma amostra de como se intrinca a vida no norte do Equador com o conflito colombiano.
Recordista no recebimento
de deslocados (a ONU estima
em 250 mil o total; o governo
equatoriano, em 500 mil pessoas), fornecedor de químicos
contrabandeados para a fabricação de drogas e palco de lavagem de dinheiro, o Equador
tem um papel cada vez mais estratégico para as Farc: servir de
refúgio contra a ofensiva militar do governo Álvaro Uribe.
Puerto Nuevo, que vive do
comércio com a Colômbia e de
agricultura, tem cerca de 300
famílias, a maioria colombiana.
Muitas crianças ainda cruzam
o rio diariamente de bote para
estudar no país de origem. São
deslocados, pela guerrilha e pelos grupos paramilitares, gente
que veio buscar trabalho depois
das fumigações para acabar
com o cultivo de coca.
Os poucos que concordam
em falar contam que há anos se
ouvem os tiroteios do outro lado do rio, com eventuais incursões no Equador, rotina desde
que o Exército vizinho intensificou o combate às Farc no departamento colombiano de Putumayo. Torcem para que o
Exército fique de vez na comunidade, hoje sem posto policial.
Em julho, Puerto Nuevo se
mobilizou para reclamar que
uma granada do Exército colombiano havia caído nas margens do rio. Em 2006, um explosivo atingiu o prédio que
servia de garagem para uma
empresa de ônibus. Três pessoas ficaram feridas. Houve
protesto do lado equatoriano,
como também houve em invasões anteriores do espaço aéreo
e terrestre pela Colômbia, mesmo antes do governo Correa.
"Já temos deslocados equatorianos por causa do conflito.
Gente que está vendendo terra
por causa dos combates", diz a
governadora da Província de
Sucumbíos, Nancy Morocho.
Gasolina e cocaína
Um ponto de parada dos deslocados internos e externos é a
capital da Província, Lago Agrio
(cujo nome oficial, pouco usado, é Nueva Loja), a 71 km de
Puerto Nuevo. Na cidade, há
postos da Acnur, agência da
ONU para refugiados, e da Cruz
Vermelha, sempre cheios.
A região petroleira de Sucumbíos é também ponto-chave para a guerrilha conseguir
"gasolina branca", ainda não
totalmente processada, para a
fabricação de cocaína, parte dela roubada de gasodutos. Fala-se, embora ninguém queira dar
nomes, do sumiço de taxistas
que se aventuraram a fazer serviços para a guerrilha.
A governadora Morocho, como todas as autoridades equatorianas na semana que passou,
repetiu que é "impossível" controlar totalmente a divisa, que o
país está tentando melhorar as
condições de vida e a presença
do Estado nas fronteiras -o
chamado Plano Equador, de
2007-, mas que é a Colômbia
que deve evitar que o conflito
transborde.
As forças equatorianas dizem
ter destruído 117 bases e laboratórios das Farc nos últimos
quatro anos, várias na região de
Puerto Nuevo, apesar da coordenação falha com Bogotá e das
acusações de que militares locais evitam conflito direto com
as Farc, para ganhar neutralidade e inibir atividades ilegais
da guerrilha colombiana no
país -estratégia evidentemente não exitosa.
Com a crise detonada pela
destruição do acampamento
das Farc perto de Angostura
(Sucumbíos), as Forças Armadas aumentaram o efetivo na
Província, inclusive em Puerto
Nuevo, origem de ao menos
dois dos cinco supostos guerrilheiros detidos na quinta-feira.
Segundo a polícia, eles levariam
uma submetralhadora e um radiotramissor. "Ele não é da
guerrilha. Ele é equatoriano, já
tem papéis daqui. Se ele fosse
[guerrilheiro], você acha que eu
estava aqui? Eu já teria fugido",
disse Margô Nogueira, mãe de
um dos detidos, de 16 anos, na
noite de sexta-feira, enquanto a
Justiça ainda tomava depoimentos dos acusados.
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