São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Invasões são rotineiras no Equador

País convive com incursões das Farc e de militares e abriga milhares de deslocados do país vizinho

"Aqui dormimos ouvindo os tiroteios", conta moradora de povoado equatoriano, que critica ausência do Estado na região fronteiriça

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LAGO AGRIO E PUERTO NUEVO (EQUADOR)

"Aqui dormimos ouvindo os tiroteios, com medo de bala perdida todo dia. Agora vêm os militares, dão uma voltinha e vão embora. Isso é proteção?", diz a professora equatoriana Marcia Rodríguez, 32, enquanto monitora uma partida de futebol entre seus alunos -colombianos de cá versus colombianos do lado de lá da fronteira-, no empoeirado povoado de Puerto Nuevo.
Marcia, que não votou no presidente equatoriano, Rafael Correa, em 2006, se diz irritada com o barulho em torno do bombardeio ao acampamento das Farc a dezenas de quilômetros dali. "Por que não fizeram tanto barulho quando um homem daqui ficou ferido?"
Puerto Nuevo, às margens do rio San Miguel, que demarca a fronteira com a Colômbia, é uma amostra de como se intrinca a vida no norte do Equador com o conflito colombiano.
Recordista no recebimento de deslocados (a ONU estima em 250 mil o total; o governo equatoriano, em 500 mil pessoas), fornecedor de químicos contrabandeados para a fabricação de drogas e palco de lavagem de dinheiro, o Equador tem um papel cada vez mais estratégico para as Farc: servir de refúgio contra a ofensiva militar do governo Álvaro Uribe.
Puerto Nuevo, que vive do comércio com a Colômbia e de agricultura, tem cerca de 300 famílias, a maioria colombiana. Muitas crianças ainda cruzam o rio diariamente de bote para estudar no país de origem. São deslocados, pela guerrilha e pelos grupos paramilitares, gente que veio buscar trabalho depois das fumigações para acabar com o cultivo de coca.
Os poucos que concordam em falar contam que há anos se ouvem os tiroteios do outro lado do rio, com eventuais incursões no Equador, rotina desde que o Exército vizinho intensificou o combate às Farc no departamento colombiano de Putumayo. Torcem para que o Exército fique de vez na comunidade, hoje sem posto policial.
Em julho, Puerto Nuevo se mobilizou para reclamar que uma granada do Exército colombiano havia caído nas margens do rio. Em 2006, um explosivo atingiu o prédio que servia de garagem para uma empresa de ônibus. Três pessoas ficaram feridas. Houve protesto do lado equatoriano, como também houve em invasões anteriores do espaço aéreo e terrestre pela Colômbia, mesmo antes do governo Correa.
"Já temos deslocados equatorianos por causa do conflito. Gente que está vendendo terra por causa dos combates", diz a governadora da Província de Sucumbíos, Nancy Morocho.

Gasolina e cocaína
Um ponto de parada dos deslocados internos e externos é a capital da Província, Lago Agrio (cujo nome oficial, pouco usado, é Nueva Loja), a 71 km de Puerto Nuevo. Na cidade, há postos da Acnur, agência da ONU para refugiados, e da Cruz Vermelha, sempre cheios.
A região petroleira de Sucumbíos é também ponto-chave para a guerrilha conseguir "gasolina branca", ainda não totalmente processada, para a fabricação de cocaína, parte dela roubada de gasodutos. Fala-se, embora ninguém queira dar nomes, do sumiço de taxistas que se aventuraram a fazer serviços para a guerrilha.
A governadora Morocho, como todas as autoridades equatorianas na semana que passou, repetiu que é "impossível" controlar totalmente a divisa, que o país está tentando melhorar as condições de vida e a presença do Estado nas fronteiras -o chamado Plano Equador, de 2007-, mas que é a Colômbia que deve evitar que o conflito transborde.
As forças equatorianas dizem ter destruído 117 bases e laboratórios das Farc nos últimos quatro anos, várias na região de Puerto Nuevo, apesar da coordenação falha com Bogotá e das acusações de que militares locais evitam conflito direto com as Farc, para ganhar neutralidade e inibir atividades ilegais da guerrilha colombiana no país -estratégia evidentemente não exitosa.
Com a crise detonada pela destruição do acampamento das Farc perto de Angostura (Sucumbíos), as Forças Armadas aumentaram o efetivo na Província, inclusive em Puerto Nuevo, origem de ao menos dois dos cinco supostos guerrilheiros detidos na quinta-feira. Segundo a polícia, eles levariam uma submetralhadora e um radiotramissor. "Ele não é da guerrilha. Ele é equatoriano, já tem papéis daqui. Se ele fosse [guerrilheiro], você acha que eu estava aqui? Eu já teria fugido", disse Margô Nogueira, mãe de um dos detidos, de 16 anos, na noite de sexta-feira, enquanto a Justiça ainda tomava depoimentos dos acusados.


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