São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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RELIGIÃO
População majoritariamente branca importa crenças do Brasil e do Uruguai; Buenos Aires tem mil terreiros
Argentinos adotam culto afro-brasileiro

LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre

A influência da religiosidade africana não se restringe aos limites geográficos do Brasil na América do Sul. Não bastasse a existência de 200 terreiros de umbanda em Montevidéu, capital uruguaia, Buenos Aires já conta com mil deles.
Tais dados, apurados após investigação do antropólogo gaúcho Ari Pedro Oro, que escreveu o livro "Axé Mercosul" (1999, editora Vozes), surpreendem pelo fato de Buenos Aires ser formada por uma população majoritariamente branca. O traço étnico minoritário na capital argentina é o dos índios. Negros, não há.
"A implantação da umbanda, batuque e candomblé nessas e em outras cidades da Argentina e do Uruguai se iniciou há cerca de 30 anos", diz Oro, que é professor de antropologia do programa de pós-graduação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). A influência da religiosidade afro-brasileira, de acordo com o antropólogo, parte do Rio Grande do Sul.
A umbanda é uma religião que nasceu no início deste século no Brasil, do sincretismo de elementos dos cultos afro-brasileiros (como o candomblé), do espiritismo, do catolicismo e do ocultismo.
Chegou ao Uruguai nas áreas fronteiriças com o Brasil, e começou a crescer muito no final dos anos 70 e início dos anos 80.

Guerras e pestes
Mesmo sendo surpreendente a atual influência afro-brasileira, Buenos Aires teve, no século passado, alguns traços étnicos africanos. Até o final do século 19, havia negros entre os portenhos. Guerras e pestes dizimaram os imigrantes africanos da Argentina, que chegaram a formar 30% da população de Buenos Aires.
As atuais práticas religiosas africanas na Argentina se limitam às influências gaúcha e uruguaia. Tanto é assim que só os nomes dos líderes religiosos já encerram um grande sincretismo. Exemplos: Hugo Watemberger de Iemanjá, Alfredo Echegaray de Ogum, Juan Aguirre de Oxum e Peggy de Iemanjá.
Os primeiros templos de religião africana a se instalar na Argentina foram os de Nélida (Baños) de Oxum, em 1966, e Elio (Machado) de Iemanjá, dois anos depois.
Os dois templos foram registrados no Registro Nacional de Cultos em 1970. Começaram pela umbanda e, em 1973, adotaram o "africanismo" (batuque).
Nélida e Elio são considerados precursores. Em 1979, segundo o antropólogo argentino Alejandro Frigerio, Elio de Iemanjá fundou a Confederação Espírita Umbandista.
Outras histórias contam, por exemplo, que a origem das religiões afro na Argentina está em três travestis que trabalhavam na noite de Rivera (cidade uruguaia que faz divisa com a brasileira Santana do Livramento) na década de 50.
Em Santana do Livramento os três teriam conhecido a mãe-de-santo Teta de Oxalá (Hipólita Lima), que os influenciou. O travesti Santiago Paves, a "Mara de Bará", foi para Buenos Aires e manteve uma clientela fixa.
O antropólogo Alejandro Frigerio diz que realmente "Mara" existiu e foi um dos precursores de religiões afro em Buenos Aires. É possível que a história dela não seja contada oficialmente devido ao preconceito contra o homossexualismo.

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De acordo com o antropólogo argentino, o final do regime militar (de 1976 a 1983) favoreceu a proliferação dos cultos afro na Argentina.
Por temor à repressão, a maioria das casas de umbanda era clandestina. A imprensa costumava se referir negativamente à umbanda, definindo-a como "seita para gente ignorante, dos setores sociais baixos", relacionada a "atividades criminais". Os pais e mães-de-santo são "bruxos ou curandeiros".
A mídia argentina passou a aceitar melhor as religiões afro-brasileiras nos últimos anos.
Frigerio indica dois motivos que levam os argentinos a recorrer à umbanda: a influência brasileira e a necessidade de apego a alguma fé.
A estrutura dos terreiros argentinos e uruguaios (chamados de "templos") é semelhante à dos terreiros brasileiros, com a utilização da casa particular do pai ou da mãe-de-santo, normalmente na periferia das cidades. Os preços médios das consultas são de US$ 15 em Montevidéu e US$ 30 em Buenos Aires.


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