São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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RELIGIÃO EXPORTADA
Alguns pais-de-santo respeitam calendário católico e não abrem na Quaresma
Língua nos terreiros é o portunhol

VANESSA ADACHI
de Buenos Aires

"Sábio señor de Bonfim, balê de San Salvador. Vamos a salvar nuestra gente, que el pueblo de Bahia llego". Em um confuso portunhol, pais-de-santo e filhos-de-santo, vestidos de branco e vermelho, entoam o canto umbandista enquanto rodopiam ao som de batuques. Trata-se de um terreiro de macumba em plena Buenos Aires.
"Fazemos adaptações das letras brasileiras para as pessoas entenderem. Se traduzíssemos tudo, perderíamos o espírito da música", diz o pai-de-santo Alfredo Echegaray de Ogum, 46 anos, cujo próprio nome é uma grande miscigenação.
O terreiro de pai Alfredo é um dos poucos que funcionam normalmente na Argentina nestes dias de abril. A maioria dos "templos", como são chamados, suspende as atividades durante a Quaresma católica, para não entrar em atrito com a poderosa Igreja Católica da Argentina (o catolicismo é a religião oficial do país, segundo a Constituição).
"Para andarmos de bem com a igreja, respeitamos o calendário católico", diz a mãe-de-santo Peggie de Iemanjá, cujo terreiro só retoma as cerimônias depois da Semana Santa. "Não sou católico. Por que deveria respeitar?", rebate pai Alfredo.
Além do portunhol dos cantos, outro elemento indica que não se trata de um terreiro na Bahia: todos os frequentadores são brancos, muitos loiros e de olhos claros. Mas o cenário é típico. Altares com oferendas e imagens de orixás misturadas a santos católicos.
A cerimônia começa às 22h em ponto e em poucos minutos os filhos-de-santo já incorporaram espíritos. "Na primeira vez que vi isso fiquei assustada", diz Ana Nuñes, de 43 anos.
Ana começou a frequentar o templo de pai Alfredo há seis meses. "Mas ainda sou católica", insiste. Ela conta que continua frequentando a igreja normalmente, como sempre fez, mas que lá ninguém sabe de suas escapadas até o terreiro. Ainda assim, Ana opina que as duas religiões são compatíveis.
Ela diz encontrar na prática da umbanda uma energia que lhe fazia falta na igreja. "Aqui me sinto muito bem. Basta chegar e já me sinto melhor, me dá muita energia."


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