|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RELIGIÃO EXPORTADA
Alguns pais-de-santo respeitam calendário católico e não abrem na Quaresma
Língua nos terreiros é o portunhol
VANESSA ADACHI
de Buenos Aires
"Sábio señor de Bonfim, balê
de San Salvador. Vamos a salvar
nuestra gente, que el pueblo de
Bahia llego". Em um confuso
portunhol, pais-de-santo e filhos-de-santo, vestidos de branco e vermelho, entoam o canto
umbandista enquanto rodopiam ao som de batuques. Trata-se de um terreiro de macumba
em plena Buenos Aires.
"Fazemos adaptações das letras brasileiras para as pessoas
entenderem. Se traduzíssemos
tudo, perderíamos o espírito da
música", diz o pai-de-santo Alfredo Echegaray de Ogum, 46
anos, cujo próprio nome é uma
grande miscigenação.
O terreiro de pai Alfredo é um
dos poucos que funcionam normalmente na Argentina nestes
dias de abril. A maioria dos
"templos", como são chamados,
suspende as atividades durante a
Quaresma católica, para não entrar em atrito com a poderosa
Igreja Católica da Argentina (o
catolicismo é a religião oficial do
país, segundo a Constituição).
"Para andarmos de bem com a
igreja, respeitamos o calendário
católico", diz a mãe-de-santo
Peggie de Iemanjá, cujo terreiro
só retoma as cerimônias depois
da Semana Santa. "Não sou católico. Por que deveria respeitar?", rebate pai Alfredo.
Além do portunhol dos cantos, outro elemento indica que
não se trata de um terreiro na
Bahia: todos os frequentadores
são brancos, muitos loiros e de
olhos claros. Mas o cenário é típico. Altares com oferendas e
imagens de orixás misturadas a
santos católicos.
A cerimônia começa às 22h em
ponto e em poucos minutos os
filhos-de-santo já incorporaram
espíritos. "Na primeira vez que
vi isso fiquei assustada", diz Ana
Nuñes, de 43 anos.
Ana começou a frequentar o
templo de pai Alfredo há seis
meses. "Mas ainda sou católica",
insiste. Ela conta que continua
frequentando a igreja normalmente, como sempre fez, mas
que lá ninguém sabe de suas escapadas até o terreiro. Ainda assim, Ana opina que as duas religiões são compatíveis.
Ela diz encontrar na prática da
umbanda uma energia que lhe
fazia falta na igreja. "Aqui me
sinto muito bem. Basta chegar e
já me sinto melhor, me dá muita
energia."
Texto Anterior: Religião: Argentinos adotam culto afro-brasileiro Próximo Texto: Prática sofre preconceito Índice
|