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ARTIGO
Papa tornou a Polônia unida e solidária
JACEK HINZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao cair daquela noite quente
do início de junho de 1979,
estávamos chegando à rua Krakowskie Przedmiescie, em Varsóvia, para nos posicionarmos em
frente à Igreja de Santa Ana, local
onde, na manhã do dia seguinte, o
papa João Paulo 2º iria pronunciar a sua homilia para os estudantes universitários.
A multidão dos jovens crescia
de hora em hora. Ninguém pensava nas longas horas que ainda
haviam de passar antes de poder
ver ou, pelo menos, de ouvir o papa na primeira peregrinação ao
seu país natal. Todos comentavam a impotência das autoridades comunistas diante da autoridade moral do Santo Padre, que
disse firmemente ao povo: "Não
tenhais medo".
Isso provocou um delírio efêmero de liberdade, que, naquele
instante, nos parecia tão perto, ao
alcance da mão. Cheios de alegria
e de esperança, mesmo que ilusória, esperávamos o encontro.
Nem mesmo os agentes do serviço de segurança nos incomodavam muito. Para dizer a verdade,
eles bem que nos faziam sorrir
maliciosamente, pois, no fundo,
haviam de sentir, também, a satisfação de ter a oportunidade de ver
aquele grande polonês.
Toda a Varsóvia vibrava desde a
chegada do papa. Pela primeira
vez, todos nós sentimo-nos unidos pela esperança de liberdade.
Um ano depois, em 1980, nasceu o Solidarnosc (Solidariedade), o primeiro movimento sindical livre da Europa centro-oriental, que além de clássicas demandas econômicas postulava, ainda
que timidamente, mudanças no
sistema político.
O Solidariedade, criado há exatamente 25 anos, contou desde o
início com o apoio e a simpatia do
papa João Paulo 2º. Quando o número de membros do movimento
chegou a 10 milhões, o que, juntamente com seus familiares, constituía a maioria da população, as
autoridades comunistas ficaram
perplexas.
Em dezembro de 1981, foi imposta a lei marcial e o Solidariedade, liderado por Lech Walesa, foi
ilegalizado. Mas as sementes de
mudança já haviam sido espalhadas. Nos difíceis anos que precederam ainda a conquista da liberdade, o papa fez mais duas visitas
pastorais à Polônia, em 1983 e em
1987, oferecendo sempre a seu povo o apoio moral.
Somente em junho de 1989
ocorreram as primeiras eleições
parlamentares parcialmente livres da Europa centro-oriental,
fruto de árduas negociações do
Solidariedade com o governo comunista. As mudanças revelaram-se irreversíveis, anunciando
a queda do Muro de Berlim.
Logo em 1990, Lech Walesa foi
eleito presidente da Polônia e começou a intensa transformação
econômico-social e política do
país. Naquele período difícil, como sempre, podíamos contar
com o apoio e os ensinamentos
do papa sobre a necessidade de
reconciliação e de solidariedade
com os mais pobres.
No centro do seu pensamento
esteve sempre o homem. Foi o ser
humano, seu direito à vida e à dignidade que motivaram as atuações do papa. Desta perspectiva,
foi bem coerente sua defesa das
posições tradicionais da igreja e
de suas constantes reivindicações
por justiça social e tolerância.
O Santo Pontífice não precisava
guiar-se nas suas atuações com os
requerimentos da assim chamada
"political correctness". Ele ensinava e dava, com sua vida, o testemunho das mais fundamentais
verdades e princípios cristãos.
Como um verdadeiro "servo
dos servos de Deus", o Santo Padre queria chegar a todos nós e a
cada um de nós. Dava seu exemplo de misericórdia, de compaixão e de perdão, destacando-os
como os mais importantes valores humanos.
Falou disso nos países ricos e
nos países pobres, nos democráticos e nos dominados pelas ditaduras. A força de sua fé e de sua
energia e o dom de convencer foram uma fonte de esperança para
milhões. Indicava os caminhos de
melhoramento, apostando sempre na bondade do ser humano.
O grande arauto da reconciliação contribuiu, de forma decisiva,
para o fim da Guerra Fria e para a
reunificação da Europa. Promovendo o diálogo entre diferentes
culturas e religiões, João Paulo 2º
foi o primeiro papa a entrar numa
sinagoga e numa mesquita.
União no infortúnio
Quando, na noite de 2 de abril,
chegou à Polônia a trágica notícia
do falecimento de Karol Wojtyla,
toda a sociedade ficou perplexa.
Uma vez mais, entretanto, João
Paulo 2º conseguiu um milagre:
fez com que os poloneses se sentissem solidários e mais unidos do
que nunca.
A traumática experiência nos
juntou. O que parecia mais impossível tornou-se possível, como
a conciliação das mortalmente
inimigas torcidas dos clubes de
futebol, que tinham constantes e
violentas confrontações. Os
meios eletrônicos de comunicação, a internet e os telefones celulares permitiram a transmissão
das informações sobre os acontecimentos relacionados ao fim do
Pontificado.
Quando, no domingo passado,
ao meio dia, em Varsóvia, começaram a tocar as sirenas, os transeuntes paravam e davam-se as
mãos, criando uma simbólica
corrente para homenagear o Santo Padre e para rezar por ele.
Milhares e milhares de poloneses enviavam, pelos celulares, dia
após dia, mensagens sobre as
ações em homenagem ao papa.
Constituiu-se uma verdadeira rede virtual do luto.
"No dia 7 de abril, coloquemos
velas ao longo de todas as ruas
que têm o nome de João Paulo 2º
na Polônia. Devemos começar às
21 horas e nos mantermos juntos
até às 21 horas e 37 minutos hora
do falecimento. Envie esta mensagem ao maior número possível
das boas pessoas", dizia uma das
mensagens.
Os poloneses mobilizavam-se.
Em questão de horas. Formaram-se, desse modo, as chamadas
"marchas brancas", com a participação de centenas de milhares de
pessoas vestidas de branco. Milhares de pessoas participaram de
missas celebradas em todo o país.
Mais de 1 milhão de poloneses
viajaram a Roma para participar
do funeral do papa.
Nós, poloneses, ficamos com
uma enorme dor no coração. Mas
sentimos também orgulho por ter
sido a Polônia, com sua grande
tradição espiritual, o lugar onde
nasceu um dos mais extraordinários personagens da história contemporânea.
Como disse o presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski,
se nós conseguirmos ser fiéis às
suas mensagens de paz, de reconciliação, de liberdade, de compaixão e de solidariedade, Karol
Wojtyla ficará para sempre conosco.
Jacek Hinz é embaixador da Polônia no
Brasil
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