São Paulo, sábado, 09 de abril de 2005

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ARTIGO

Papa tornou a Polônia unida e solidária

JACEK HINZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao cair daquela noite quente do início de junho de 1979, estávamos chegando à rua Krakowskie Przedmiescie, em Varsóvia, para nos posicionarmos em frente à Igreja de Santa Ana, local onde, na manhã do dia seguinte, o papa João Paulo 2º iria pronunciar a sua homilia para os estudantes universitários.
A multidão dos jovens crescia de hora em hora. Ninguém pensava nas longas horas que ainda haviam de passar antes de poder ver ou, pelo menos, de ouvir o papa na primeira peregrinação ao seu país natal. Todos comentavam a impotência das autoridades comunistas diante da autoridade moral do Santo Padre, que disse firmemente ao povo: "Não tenhais medo".
Isso provocou um delírio efêmero de liberdade, que, naquele instante, nos parecia tão perto, ao alcance da mão. Cheios de alegria e de esperança, mesmo que ilusória, esperávamos o encontro.
Nem mesmo os agentes do serviço de segurança nos incomodavam muito. Para dizer a verdade, eles bem que nos faziam sorrir maliciosamente, pois, no fundo, haviam de sentir, também, a satisfação de ter a oportunidade de ver aquele grande polonês.
Toda a Varsóvia vibrava desde a chegada do papa. Pela primeira vez, todos nós sentimo-nos unidos pela esperança de liberdade.
Um ano depois, em 1980, nasceu o Solidarnosc (Solidariedade), o primeiro movimento sindical livre da Europa centro-oriental, que além de clássicas demandas econômicas postulava, ainda que timidamente, mudanças no sistema político.
O Solidariedade, criado há exatamente 25 anos, contou desde o início com o apoio e a simpatia do papa João Paulo 2º. Quando o número de membros do movimento chegou a 10 milhões, o que, juntamente com seus familiares, constituía a maioria da população, as autoridades comunistas ficaram perplexas.
Em dezembro de 1981, foi imposta a lei marcial e o Solidariedade, liderado por Lech Walesa, foi ilegalizado. Mas as sementes de mudança já haviam sido espalhadas. Nos difíceis anos que precederam ainda a conquista da liberdade, o papa fez mais duas visitas pastorais à Polônia, em 1983 e em 1987, oferecendo sempre a seu povo o apoio moral.
Somente em junho de 1989 ocorreram as primeiras eleições parlamentares parcialmente livres da Europa centro-oriental, fruto de árduas negociações do Solidariedade com o governo comunista. As mudanças revelaram-se irreversíveis, anunciando a queda do Muro de Berlim.
Logo em 1990, Lech Walesa foi eleito presidente da Polônia e começou a intensa transformação econômico-social e política do país. Naquele período difícil, como sempre, podíamos contar com o apoio e os ensinamentos do papa sobre a necessidade de reconciliação e de solidariedade com os mais pobres.
No centro do seu pensamento esteve sempre o homem. Foi o ser humano, seu direito à vida e à dignidade que motivaram as atuações do papa. Desta perspectiva, foi bem coerente sua defesa das posições tradicionais da igreja e de suas constantes reivindicações por justiça social e tolerância.
O Santo Pontífice não precisava guiar-se nas suas atuações com os requerimentos da assim chamada "political correctness". Ele ensinava e dava, com sua vida, o testemunho das mais fundamentais verdades e princípios cristãos.
Como um verdadeiro "servo dos servos de Deus", o Santo Padre queria chegar a todos nós e a cada um de nós. Dava seu exemplo de misericórdia, de compaixão e de perdão, destacando-os como os mais importantes valores humanos.
Falou disso nos países ricos e nos países pobres, nos democráticos e nos dominados pelas ditaduras. A força de sua fé e de sua energia e o dom de convencer foram uma fonte de esperança para milhões. Indicava os caminhos de melhoramento, apostando sempre na bondade do ser humano.
O grande arauto da reconciliação contribuiu, de forma decisiva, para o fim da Guerra Fria e para a reunificação da Europa. Promovendo o diálogo entre diferentes culturas e religiões, João Paulo 2º foi o primeiro papa a entrar numa sinagoga e numa mesquita.

União no infortúnio
Quando, na noite de 2 de abril, chegou à Polônia a trágica notícia do falecimento de Karol Wojtyla, toda a sociedade ficou perplexa. Uma vez mais, entretanto, João Paulo 2º conseguiu um milagre: fez com que os poloneses se sentissem solidários e mais unidos do que nunca.
A traumática experiência nos juntou. O que parecia mais impossível tornou-se possível, como a conciliação das mortalmente inimigas torcidas dos clubes de futebol, que tinham constantes e violentas confrontações. Os meios eletrônicos de comunicação, a internet e os telefones celulares permitiram a transmissão das informações sobre os acontecimentos relacionados ao fim do Pontificado.
Quando, no domingo passado, ao meio dia, em Varsóvia, começaram a tocar as sirenas, os transeuntes paravam e davam-se as mãos, criando uma simbólica corrente para homenagear o Santo Padre e para rezar por ele.
Milhares e milhares de poloneses enviavam, pelos celulares, dia após dia, mensagens sobre as ações em homenagem ao papa. Constituiu-se uma verdadeira rede virtual do luto.
"No dia 7 de abril, coloquemos velas ao longo de todas as ruas que têm o nome de João Paulo 2º na Polônia. Devemos começar às 21 horas e nos mantermos juntos até às 21 horas e 37 minutos hora do falecimento. Envie esta mensagem ao maior número possível das boas pessoas", dizia uma das mensagens.
Os poloneses mobilizavam-se. Em questão de horas. Formaram-se, desse modo, as chamadas "marchas brancas", com a participação de centenas de milhares de pessoas vestidas de branco. Milhares de pessoas participaram de missas celebradas em todo o país. Mais de 1 milhão de poloneses viajaram a Roma para participar do funeral do papa.
Nós, poloneses, ficamos com uma enorme dor no coração. Mas sentimos também orgulho por ter sido a Polônia, com sua grande tradição espiritual, o lugar onde nasceu um dos mais extraordinários personagens da história contemporânea.
Como disse o presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski, se nós conseguirmos ser fiéis às suas mensagens de paz, de reconciliação, de liberdade, de compaixão e de solidariedade, Karol Wojtyla ficará para sempre conosco.


Jacek Hinz é embaixador da Polônia no Brasil


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