São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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AMÉRICA DO SUL

Campanha marcada por troca de acusações de baixo nível culmina em eleição indefinida entre três candidatos

No dia do voto, resultado no Peru é incógnita

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LIMA

Os peruanos vão hoje às urnas divididos entre três candidatos, após uma imprevisível campanha eleitoral marcada por uma intensa troca de acusações -a maior parte delas centrada no surpreendente Ollanta Humala.
Contribui para a guerra de denúncias e de declarações de baixo nível a acirradíssima disputa por uma vaga no segundo turno, tido como certo. A maioria das últimas pesquisas mostra um empate técnico, com uma ligeira vantagem do nacionalista Humala, seguido pela direitista Lourdes Flores e o ex-presidente de centro-esquerda Alan García (1985-1990).
Humala, um tenente-coronel aposentado em sua primeira campanha eleitoral, foi acusado, entre outros crimes, de ordenar matanças durante a guerra contra o Sendero Luminoso, de ter vínculos com Vladimiro Montesinos -pivô do escândalo de corrupção que derrubou o governo Alberto Fujimori- e de ser financiado pelos petrodólares do presidente venezuelano, Hugo Chávez.
A revista "Caretas", a mais importante do Peru e que declarou apoio a Flores, chegou a fazer uma capa em que uma gorila e o seu filhote aparecem com os rostos substituídos por Chávez e Humala, respectivamente, os dois sentados em maços de dólares.
O nacionalista sofre também com o "fogo amigo" de sua excêntrica família, explorado à exaustão pela imprensa. A mãe defendeu o fuzilamento de homossexuais, o pai quer que apenas indígenas e mestiços sejam cidadãos, e o seu irmão Antauro, preso por rebelião e candidato a deputado, propõe pena de morte a "traidores da pátria".
Para o jornalista e analista político Gustavo Gorriti, a avalanche de acusações contra Humala fez com que as investigações mais sérias contra o candidato nacionalista, sobretudo as que o vinculam a Montesinos, perdessem força.
"Isso sempre acontece: quando há informações de baixa qualidade publicadas junto com acusações sérias, cria-se um efeito de sátira", afirma Gorriti, para quem Humala "é um candidato antidemocrático, que representa a ameaça fascista no Peru".
Embora menos atacada do que Humala, a conservadora Lourdes Flores sofre por ser a única mulher entre os candidatos com chance real de vitória. O ex-presidente Alan García, que a escolheu como alvo preferencial para chegar ao segundo turno, referiu-se a ela como a "direita gorda" no seu encerramento de campanha, realizado na última quinta-feira -uma evidente alusão aos quilos a mais de sua adversária.
A campanha de Flores acusou García de estar por trás de um vídeo no qual a candidata aparece supostamente com um dedo médio em gesto obsceno contra apoiadores de Humala durante uma carreata. Ela diz que levantou o dedo indicador.
Mas o pior aconteceu durante uma entrevista ao popular apresentador de TV Jaime Bayly -espécie de Clodovil peruano-, que lhe perguntou "a última vez que havia visto um pênis". Constrangida, Flores, que é solteira, disse que tinha sido num clube de strip-tease "com umas amigas".
Para o jornalista César Hildebrant, a culpa não é da imprensa, mas dos candidatos ruins. "Não somos os únicos. Mas -isso sim- somos os melhores", escreveu, em artigo publicado no domingo passado. "Ninguém como o peruano para construir seus próprios pesadelos."


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