São Paulo, segunda-feira, 09 de abril de 2007

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Vida em Bagdá é saga de caos e medo

Quatro anos depois de tropas americanas assumirem controle da cidade, insegurança assombra população que resiste

Ao temor de atentados, tiros e seqüestros, somam-se o racionamento do gás e da eletricidade e a piora das condições sanitárias

KAREN MARON
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BAGDÁ

"A situação que estamos vivendo é insuportável. Quando vou dormir num quarto com meus filhos, de vez em quando penso em distribuí-los por vários cômodos, com medo de que um terrorista entre em um dos cômodos e mate a todos", diz Amira Almenayi, 43 anos. Depois de viver 1.460 dias sob a ocupação das forças militares lideradas pelos Estados Unidos, ela tenta levar a vida cotidiana adiante em meio ao caos e à insegurança.
O trabalho fora de casa como funcionária pública não a exime das tarefas domésticas, limitadas, desde a invasão, pela falta de energia elétrica, cujo fornecimento não dura mais de quatro horas por dia, a água contaminada e a escassez de gás. Mas o coração e a cabeça de Amira se concentram na vida de sua família.
"Acho que, se eles estiverem distribuídos por vários cômodos, talvez o terrorista se esqueça de matar algum." Amira representa o pensamento de milhões de mães iraquianas que temem por seus filhos num país submerso na desintegração social e nos conflitos sectários, que já deixaram milhares de crianças sem pais, mulheres sem maridos e mães sem filhos.
Há quatro anos, as imagens transmitidas da capital iraquiana mostravam a queda da estátua de Saddam Hussein na praça Farduz, derrubada pelos soldados americanos. Esse dia ficou sendo conhecido como o da "queda de Bagdá" e representou o resultado que a coalizão acreditava ter conquistado com a ofensiva "Iraqi Freedom" (liberdade iraquiana). Mas se existe algo que falta hoje no Iraque é liberdade, e sobretudo segurança. A carência de serviços básicos se agrava, e as ruas de Bagdá são um cartão postal do caos e da desorganização.

Paróquia sem fiéis
"Alguns meses atrás, achávamos que a situação não poderia piorar, mas ela piorou", reflete o padre Manuel Hernández Estevez, da Comunidade dos Carmelitas Descalços, em sua igreja em Salijia. "Quando você vê que diariamente morrem entre 60 e cem pessoas assassinadas neste país, principalmente em Bagdá, você se pergunta quantas vítimas mais serão necessárias para que isto acabe." O padre Manuel é há três anos o único espanhol que vive no Iraque, mas não pode sair da igreja Santa Teresa por medo de ser seqüestrado. Sua paróquia com freqüência fica na linha de fogo, quando a resistência ataca a chamada Zona Verde, que abriga as autoridades locais e a Embaixada dos EUA.
A maioria de seus paroquianos já não retorna à igreja, por medo, por ter fugido do país ou sido vítima do conflito pelo fato de serem cristãos. Outros que foram obrigados a fugir foram centenas de professores universitários, porque ser docente no Iraque ocupado transformou-se em trabalho de alto risco. Saad Gali ensina inglês na Universidade do Imã Al Saadeq, em Bagdá, e o sobrevôo de helicópteros das forças de ocupação interrompe suas aulas constantemente.

Professores são alvo
Embora a maioria dos estudantes tenha abandonado as universidades por medo da violência, outros fazem dos estudos a maneira de enfrentar a guerra. "Até quando vamos ter medo?" se pergunta Ahalam, aluna da faculdade de Administração de Empresas. "Somos um país que está sempre ameaçado. Mas não podemos viver sempre dentro de casa. Temos que ser iguais aos outros povos do mundo. Temos que sair para estudar, para trabalhar, para que nossos filhos possam ter uma vida melhor."
Quando se caminha pelos parques da Universidade, um cartaz recorda o assassinato de uma professora que morreu na explosão de um carro-bomba. As paredes trazem impressos os pontos de impacto das balas. Os professores universitários se tornaram alvos das diferenças sectárias. Duzentos e quarenta e sete foram vítimas de assassinatos seletivos, e 12 sofreram detenções arbitrárias. Nos dois últimos meses, morreram cinco estudantes em atentados e cinco alunas da universidade foram estupradas e assassinadas.
"Todos os estudantes do país estamos atravessando circunstâncias difíceis. Mas acreditamos que depois das nuvens sempre sai o sol e que é certo que a violência e o terrorismo vão terminar algum dia", afirma Ahmed, líder estudantil que representa 4.500 alunos. "Acreditamos num Estado civilizado, um Estado que seja governado pela lei. Hoje no Iraque temos um plano de segurança que não permite que ninguém porte armas, nem mesmo as mais altas autoridades do Estado. Todas as armas estão nas mãos das forças de segurança, que são encarregadas de proteger os cidadãos", diz o professor de inglês Saad Gali.


Tradução de CLARA ALLAIN


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