São Paulo, quarta-feira, 09 de abril de 2008

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Ausência de oposição esvazia voto egípcio

Candidatos do partido oficial, sem oponentes em seus distritos, já tinham garantido 70% das cadeiras antes do pleito municipal

Crise inflacionária, chamado a boicote feito por grupo islâmico e indefinição sobre a sucessão de Mubarak explicam desânimo eleitoral

KAREN MARÓN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO CAIRO

Dois dias depois da ocorrência de protestos e distúrbios, a capital egípcia voltou à normalidade. As ruas abarrotadas de automóveis, homens pendurados nas portas dos ônibus e ambulantes lotando as ruas do centro, oferecendo de patas de cordeiro a queijo de cabra.
Nenhum indício do fato de estar sendo realizada uma eleição para os 50 mil membros dos legislativos municipais, nas 26 Províncias do país. Medo ou indiferença foram as reações dos egípcios a um resultado já anunciado: sem concorrentes nos distritos que representam, os candidatos do Partido Nacional Democrático, do presidente -há 27 anos- Hosni Mubarak, já haviam garantido 70% dos cargos eletivos.
Desde cedo percebiam-se nos centros de votação os efeitos do desinteresse e do boicote imposto pela Irmandade Muçulmana, principal força -ilegal- de oposição. Em Bulaq, diante da ponte que atravessa o rio Nilo, uma escola vazia de eleitores era guardada por militares que conversavam sob os cartazes da candidata governista Mona Mahmud Gadasi, que convocava os eleitores a participar com o slogan "o país se aproxima de nós".
"Não vou votar porque as eleições são uma fraude e há muita violência nas ruas", declarou Gamal, envolto em sua jaqueta negra de couro, duas horas depois da abertura das eleições municipais, às 8h.
Em outro ponto do centro do Cairo, circulando por lugares invisíveis aos turistas, por ruas esburacadas e sob balcões dos quais roupas ou tapetes coloridos pendurados dão a impressão de que vão cair a qualquer momento, seis homens fumavam o tradicional narguilé.
Comentavam, tranqüilos, que vão continuar a apoiar Mubarak, que sucedeu a Anwar el Sadat após o assassinato deste, em 6 de outubro de 1981. "Estou satisfeito com meu governo e por isso fui votar", diz Mohammed, 77, que recebe pensão mensal de 700 libras egípcias (US$ 127) e minimiza a importância da tensão social provocada pela escalada dos preços, principalmente do pão.
"Os preços vêm subindo aqui e em todo o mundo. Não é um problema específico deste governo", defende.
Em Dokki, o bairro onde fica o mercado de Siliman Gohor, o nível de comparecimento dos eleitores às urnas era semelhante ao de outros bairros da maior capital africana: 20 pessoas até as 15h. As eleições municipais estavam inicialmente previstas para abril de 2006. Mas, após o desempenho da Irmandade Muçulmana nas legislativas de 2005 -quando, concorrendo como independentes, seus candidatos conquistaram um quinto do Parlamento nacional-, o governo as adiou para ontem. Por isso o grupo islâmico, qualificado como "associação ilegal, mas tolerada", conclamou os eleitores a boicotar o pleito. Seu líder, Mohamed Mehdi Akef, denunciou que, dos 5.159 candidatos do partido que tentaram registrar-se nas eleições, apenas 438 foram autorizados a fazê-lo.
Nesta situação, os egípcios se perguntam quem vai suceder Hosni Mubarak. Faltando um mês para seu 80º aniversário, o governante ainda não nomeou um vice-presidente -que, de acordo com a Constituição, deveria substituí-lo em caso de morte- nem permite que surja figura política de peso que possa tomar seu lugar. Comenta-se que seu filho Gamal estaria nos planos para a sucessão.


Tradução de CLARA ALLAIN


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