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"Lula vem da esquerda, mas entende o mundo global"
Presidente chileno revela simpatia por Serra, mas evita "se meter" na sucessão
Mandatário de centro-direita relata quais foram suas preocupações e como reagiu ao terremoto que atingiu o Chile em fevereiro
Juan Mabromata/France Presse
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Sebastián Piñera posa ao lado da bandeira do Chile ontem na Argentina
SILVANA ARANTES
EM SÃO PAULO
A três dias de completar seu
primeiro mês como presidente
do Chile, Sebastián Piñera desembarcou ontem no Brasil,
destino de sua primeira visita
de Estado. Antes, fez uma escala "de trabalho" na Argentina.
Em São Paulo, ele se encontrou com o candidato à Presidência José Serra e visitou a
Fiesp. Piñera estima que seu
governo licitará em torno de
US$ 10 bilhões em obras de reconstrução de casas, hospitais,
estradas, aeroportos e escolas
destruídos pelo terremoto seguido de maremoto que atingiu
o Chile em 27 de fevereiro.
Hoje, o mandatário chileno
se encontra em Brasília com o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e com a pré-candidata petista Dilma Rousseff.
FOLHA - Como interpretou o fato
de Lula não ter ido à sua posse?
SEBASTIÁN PIÑERA - Quando visitei Lula em setembro do ano
passado, disse: "Presidente, tenho certeza de que vou ganhar
a eleição e quero convidá-lo
pessoal e antecipadamente".
Ele me disse: "Presidente Piñera, conte comigo. Estarei em
sua posse". Estou certo de que
essa era a intenção dele e que
forças alheias à sua vontade o
impediram de estar no Chile.
FOLHA - Acredita na versão de que
a diferença ideológica o desanimou?
PIÑERA - Não acredito nisso.
Estive com Lula em várias
oportunidades. Uma vez foi em
Londres, na inauguração do estádio de Wembley. Sempre tivemos uma relação franca, direta e fraterna. Em Brasília,
conversamos por mais de uma
hora. Tenho certeza de que nenhuma diferença [entre nós]
está por trás de sua ausência [à
posse]. Além do mais, eu acredito na liberdade e aprecio as
diferenças.
FOLHA - Acha que Lula fez um governo de esquerda?
PIÑERA - Lula é um presidente
que tem uma origem de esquerda, no PT, mas que compreendeu muito bem as chaves do
mundo moderno e globalizado.
Tendo origem de esquerda, governou muito bem o Brasil.
FOLHA - Terá encontros com os
candidatos José Serra e Dilma Rousseff. Qual avalia ter mais chances?
PIÑERA - Não me meta em problemas! Não quero interferir na
eleição democrática. É uma decisão que o povo brasileiro tomará. Acredito no dito "a voz
do povo é a voz de Deus". Os povos são muito sábios. Às vezes,
muito mais sábios que seus políticos e governantes. Mas posso dizer que estou acompanhando muito de perto essa
disputa -a trajetória de Dilma
Rousseff e a trajetória de José
Serra, que conheci no Chile
quanto ele esteve exilado. Serra
é casado com uma chilena. Tenho muita simpatia por ele,
mas não vou interferir e vou
respeitar a decisão democrática do povo brasileiro.
FOLHA - Como avalia a política externa brasileira, sobretudo a aproximação com o Irã?
PIÑERA - Temos muito respeito
pelo Brasil e pelo Itamaraty. O
Brasil se transforma num ator
em escala mundial. É uma evolução que vemos com bons
olhos e apoiamos com entusiasmo a aspiração brasileira
por um assento permanente no
Conselho de Segurança.
Na semana que vem, Lula e
eu participaremos da Cúpula
de Segurança Nuclear, nos Estados Unidos. Estou convencido de que o principal risco em
matéria nuclear hoje em dia
não é tanto em nível de Estados, mas o perigo e o risco de
que armas nucleares ou tecnologia para produzi-las caiam
nas mãos de grupos terroristas
ou anarquistas que as queiram
usar de forma irresponsável.
Tenho muita alegria de saber
que a América Latina é uma região livre de armas nucleares.
FOLHA - A aproximação do Brasil
com o Irã o preocupa?
PIÑERA - Veja... Tenho muita
confiança na sabedoria e na
prudência do presidente Lula.
FOLHA - Como vê a chamada "corrida armamentista" na América do
Sul? Vê possibilidade de um conflito
bélico entre Venezuela e Colômbia?
PIÑERA - A América Latina se
destaca por sua capacidade de
enfrentar as diferenças sem
guerras. É um continente em
que houve muito poucas guerras, muito menos do que a Europa, o continente mais culto e
desenvolvido do mundo, que
no século passado teve duas
guerras mundiais. É um patrimônio que temos que defender.
É muito importante resolver as
controvérsias e diferenças por
meios pacíficos e usando o direito internacional. Por isso me
inquieta e me preocupa quando
vejo em alguns países da América Latina sintomas de debilitamento desses princípios.
FOLHA - O sr. apoia a candidatura
do ex-presidente argentino Néstor
Kirchner à presidência da Unasul?
PIÑERA - Sim. E Hoje [ontem]
expressei isso à presidente da
Argentina, Cristina Kirchner.
FOLHA - Defina "kirchnerismo".
PIÑERA - Há coisas difíceis de
definir. Por exemplo, é muito
difícil definir o amor, mas sabemos exatamente quando estamos amando ou não. Algo parecido ocorre com o kirchnerismo. É difícil defini-lo, mas todos sabemos o que significa.
FOLHA - Que participação espera
do Brasil na reconstrução do Chile,
após o recente terremoto ?
PIÑERA - Estou muito agradecido à ajuda sincera, rápida e eficaz que recebemos do Brasil.
Pretendo convidar o governo e
o setor privado brasileiros a
não só continuar colaborando
com sua ajuda mas a participar
dos grandes projetos de reconstrução de hospitais, pontes, casas, aeroportos, escolas que vamos licitar.
FOLHA - Qual é o impacto do terremoto na economia chilena?
PIÑERA - O custo total chega a
US$ 30 bilhões. Descontados
os seguros que virão do exterior, o custo bruto estará entre
US$ 22 bilhões e US$ 25 bilhões, que serão repartidos entre o setor público e o privado.
Por isso estamos nos preparando para o desafio da reconstrução ou reparação de 370 mil casas, 4.000 escolas, 79 hospitais
e achamos que o custo extraordinário desse plano de reconstrução alcançará de US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões.
FOLHA - Como viveu o terremoto?
PIÑERA - Estava em Casablanca, entre Valparaiso e Santiago,
preparando-me para fazer uma
grande excursão a cavalo pela
cordilheira. Acordei com o terremoto e contatei de imediato
os futuros ministros. Fomos ao
escritório nacional de emergência. Eu sabia do grave perigo
de maremoto. Minha primeira
preocupação era salvar vidas
das pessoas que residem nas regiões costeiras. Sabia que o escritório de emergência tem um
protocolo e um "código vermelho" que determina decretar
imediatamente o alerta de maremoto e providenciar a evacuação em casos de terremotos
superiores a 8 graus com epicentro próximo da costa. Surpreendeu-me muito que isso
não ocorreu.
FOLHA - O sr. classifica como um
ato criminoso a falta de alerta de
maremoto?
PIÑERA - Não foi criminoso. Foi
uma negligência tremenda.
Uma falta de cumprimento do
dever tanto do escritório da
Marinha como do Escritório
Nacional de Emergência, que
não tinha que ter esperado nenhum informe para dar o alerta. Minha segunda preocupação foi com a prevenção de atos
de vandalismo que ocorrem
nessas ocasiões. Pedi ao governo que decretasse o estado de
catástrofe, para que as Forças
Armadas pudessem controlar a
ordem pública. Mas, desgraçadamente, o governo demorou
demais a fazer isso.
FOLHA - O sr. afirma que "cedo ou
tarde a China será o mais importante país do mundo". Em quanto tempo avalia que isso acontecerá?
PIÑERA - A China está há mais
de 20 anos crescendo com uma
força e um ímpeto impressionantes. Na média, quase dois
dígitos por ano. Se se projeta o
crescimento atual da China e o
dos EUA, conclui-se que em 25
anos a China se transformará
na primeira potência econômica do mundo. Mas é uma projeção. Falta ver se o "gigante
adormecido" vai despertar e ter
a capacidade de crescimento
que a China tem hoje.
FOLHA - Como avalia a Presidência
de Obama?
PIÑERA - Obama foi um candidato extraordinário. Agora tem
que demonstrar que também é
um grande presidente.
FOLHA - Ainda não demostrou?
PIÑERA - Um ano de governo é
muito cedo para uma avaliação
profunda e um juízo definitivo.
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