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Para argentino, discutir liderança de bloco sul-americano é "frivolidade"
DO ENVIADO ESPECIAL
Por mais juras de amor ao Mercosul e à América do Sul que troquem o presidente do Brasil e o
favorito na disputa pela Presidência da Argentina, a questão da liderança sub-regional continua
sendo uma tema complicado.
Néstor Kirchner, confrontado
com uma pergunta a esse respeito
na entrevista coletiva que deu
após avistar-se com Lula, subiu
uma oitava o tom de voz para responder: "É um retrocesso e uma
frivolidade discutir presumível liderança, quando se espera maturidade de Brasil e Argentina".
Fechou a frase assim: "[Disputar a liderança] é um campeonato
de quinta categoria". Em espanhol, disse "de quarto nível".
Pode ser, mas o fato é que ainda
não se tornou consensual na Argentina o fato de que a liderança
na América do Sul, se tiver que
existir, será do Brasil por seu peso
territorial, econômico e populacional.
No governo Carlos Menem
91989-99), seu chanceler Guido di
Tella chegou a admitir que, para a
Argentina, estaria muito bem ser,
para o Brasil, o que o Canadá é para os Estados Unidos, guardadas
as proporções, claro.
De lá para cá, o aprofundamento da crise argentina deveria, pela
lógica, ter consolidado essa perspectiva, por mais que também o
Brasil tenha enfrentado grandes
dificuldades.
Mas uma longa história de rivalidades e desconfianças, inclusive
no futebol (tema, aliás, de mais de
uma brincadeira ontem no encontro Kirchner-Lula), não morre de repente.
Foi só com o restabelecimento
quase simultâneo da democracia
dos dois lados da fronteira (dezembro de 1983 na Argentina,
março de 1985 no Brasil) que a
animosidade começou a se transformar em cooperação.
E é precisamente este momento
que permite supor que os governos Lula e Kirchner, se o segundo
ganhar a eleição como tudo indica, poderiam aprofundar a cooperação sem que a questão da liderança seja central.
Ocorre que Roberto Lavagna,
atual ministro argentino da Economia, já confirmado por Kirchner para manter o cargo, foi quem
assinou, pela Argentina, os primeiros protocolos de integração,
na pré-história do Mercosul.
Lavagna, aliás, tem trabalhos
acadêmicos com Fábio Giambiagi, argentino naturalizado brasileiro e funcionário do BNDES, sobre moeda única no Mercosul.
Para chegar à moeda única, a integração teria que ser a mais ampla possível. E quem a lidera deixa
de ser relevante.
Até lá, no entanto, é preciso superar problemas bem mais prosaicos, mas que incidem diretamente sobre o bloco do Sul. Falta
"uma cultura de consulta e discussão", aponta, por exemplo, o
embaixador do Brasil em Buenos
Aires, José Botafogo Gonçalves,
em palestra para o Cebri (Centro
Brasileiro de Relações Internacionais).
Consequência dessa falta: decisões unilaterais que tomam o
tempo de Lavagna e de seu colega
brasileiro Antonio Palocci, como
ocorreu no jantar que compartilharam anteontem.
Tiveram que discutir as dificuldades que o governo argentino
quer impor para que a Petrobrás
fique com uma companhia argentina e os problemas causados à
Argentina pela rotulagem exigida
pelo Brasil a produtos transgênicos do vizinho.
Não falaram de moeda única.
(CR)
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