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São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2003

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Para argentino, discutir liderança de bloco sul-americano é "frivolidade"

DO ENVIADO ESPECIAL

Por mais juras de amor ao Mercosul e à América do Sul que troquem o presidente do Brasil e o favorito na disputa pela Presidência da Argentina, a questão da liderança sub-regional continua sendo uma tema complicado.
Néstor Kirchner, confrontado com uma pergunta a esse respeito na entrevista coletiva que deu após avistar-se com Lula, subiu uma oitava o tom de voz para responder: "É um retrocesso e uma frivolidade discutir presumível liderança, quando se espera maturidade de Brasil e Argentina".
Fechou a frase assim: "[Disputar a liderança] é um campeonato de quinta categoria". Em espanhol, disse "de quarto nível".
Pode ser, mas o fato é que ainda não se tornou consensual na Argentina o fato de que a liderança na América do Sul, se tiver que existir, será do Brasil por seu peso territorial, econômico e populacional.
No governo Carlos Menem 91989-99), seu chanceler Guido di Tella chegou a admitir que, para a Argentina, estaria muito bem ser, para o Brasil, o que o Canadá é para os Estados Unidos, guardadas as proporções, claro.
De lá para cá, o aprofundamento da crise argentina deveria, pela lógica, ter consolidado essa perspectiva, por mais que também o Brasil tenha enfrentado grandes dificuldades.
Mas uma longa história de rivalidades e desconfianças, inclusive no futebol (tema, aliás, de mais de uma brincadeira ontem no encontro Kirchner-Lula), não morre de repente.
Foi só com o restabelecimento quase simultâneo da democracia dos dois lados da fronteira (dezembro de 1983 na Argentina, março de 1985 no Brasil) que a animosidade começou a se transformar em cooperação.
E é precisamente este momento que permite supor que os governos Lula e Kirchner, se o segundo ganhar a eleição como tudo indica, poderiam aprofundar a cooperação sem que a questão da liderança seja central.
Ocorre que Roberto Lavagna, atual ministro argentino da Economia, já confirmado por Kirchner para manter o cargo, foi quem assinou, pela Argentina, os primeiros protocolos de integração, na pré-história do Mercosul.
Lavagna, aliás, tem trabalhos acadêmicos com Fábio Giambiagi, argentino naturalizado brasileiro e funcionário do BNDES, sobre moeda única no Mercosul.
Para chegar à moeda única, a integração teria que ser a mais ampla possível. E quem a lidera deixa de ser relevante.
Até lá, no entanto, é preciso superar problemas bem mais prosaicos, mas que incidem diretamente sobre o bloco do Sul. Falta "uma cultura de consulta e discussão", aponta, por exemplo, o embaixador do Brasil em Buenos Aires, José Botafogo Gonçalves, em palestra para o Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Consequência dessa falta: decisões unilaterais que tomam o tempo de Lavagna e de seu colega brasileiro Antonio Palocci, como ocorreu no jantar que compartilharam anteontem.
Tiveram que discutir as dificuldades que o governo argentino quer impor para que a Petrobrás fique com uma companhia argentina e os problemas causados à Argentina pela rotulagem exigida pelo Brasil a produtos transgênicos do vizinho.
Não falaram de moeda única.
(CR)


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