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Israelenses vêem paz com ceticismo
Esperança de acordo com vizinhos é menor hoje do que nas comemorações dos 50 anos do país, há dez anos
Embora deserções no Exército tenham crescido recentemente, 94% dos cidadãos judeus ainda se dizem prontos a servir
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
Os israelenses comemoraram ontem os 60 anos de criação de seu Estado acendendo
milhares de churrasqueiras em
parques do país, enquanto a esperança de paz continua mais
congelada do que nunca. Se nas
comemorações do cinqüentenário a sensação era de que o
fim do conflito com os árabes
estava ao alcance, dez anos depois essa é uma possibilidade
fora do horizonte da maioria.
Israel completa seis décadas
de existência como uma inegável história de sucesso em várias frentes, mas permanece
flutuando num grande vácuo
político em que sua legitimidade ainda é contestada por boa
parte dos vizinhos.
Sua economia é próspera e
sofisticada, com um PIB per capita próximo ao da parte mais
rica da Europa (e quase três vezes maior que o do Brasil); suas
universidades e centros de pesquisa estão entre os melhores
do mundo; o cenário artístico é
vibrante, sobretudo em Tel
Aviv; a imprensa é crítica e participativa; e a democracia, apesar dos deslizes ocasionais, geralmente ligados à ocupação
dos territórios palestinos, mantém um alto padrão de respeito
às liberdades civis.
Segurança
"O grande problema, 60 anos
depois da fundação do Estado,
é a segurança", reconhece Batia
Matlub, corretora de seguros
de Jerusalém, enquanto abana
uma churrasqueira com espetos de frango no principal parque da cidade. "Nunca tivemos
paz com os palestinos, mas
houve uma época, não faz muito tempo, em que pelo menos
as coisas pareciam estar se movendo na direção certa. A diferença agora é que ninguém
acredita mais na paz."
Os sucessivos fracassos no
processo de paz com os palestinos instalaram nos israelenses
um misto de cinismo e indiferença. A tentativa fracassada de
colocar um fim ao conflito, no
encontro entre o premiê israelense Ehud Barak e o líder palestino Yasser Arafat, em 2000,
marcou o começo do fim desse
sonho. Desde então, a violência
cresceu, junto com o ceticismo
sobre as chances de uma saída
para o conflito.
"Não-assunto"
"Entre os meus amigos nunca conversamos sobre a paz
com os palestinos, porque ninguém acha que é possível. É um
não-assunto", diz Maaian Skilansky, 22, estudante de artes
plásticas. Ela também parou de
ler a página de política dos jornais. "O conflito não parece ter
fim e os políticos israelenses
não têm credibilidade. É melhor ficar longe da política."
Também cresceu nos últimos anos o número de casos de
deserções no Exército, de soldados que se recusam a servir
nos territórios palestinos. Ainda assim, engana-se quem imagina um esvaziamento do legendário patriotismo israelense. Uma pesquisa recente mostrou que 94% dos israelenses
judeus estão prontos para lutar
por seu país, se necessário.
O historiador e jornalista
Tom Segev, autor de livros que
destrincham sem piedade alguns dos acontecimentos responsáveis pelo que é hoje o Estado de Israel, como o Holocausto e a Guerra dos Seris
Dias, diz que é impossível entender o país sem levar em conta suas contradições. Ao mesmo tempo em que há desilusão,
lembra ele, aumenta a ligação
dos cidadãos com Israel.
"É como uma pequena cidade ao pé de um vulcão prestes a
entrar em ebulição", compara
Segev. "Apesar do risco iminente, ninguém arreda o pé de onde está."
Essa dicotomia, que exaspera
alguns, fascina outros. O inglês
Lewie Kerr, 41, deixou seu país
há um ano para viver em Jerusalém, depois de casar com
uma israelense. O fato de não
ser judeu nem ter a cidadania
do país, diz Keer, lhe dá um
olhar neutro para acompanhar
as tempestades que ocorrem ao
seu redor.
"Os israelenses estão sempre
oscilando entre a paranóia, o
medo e a esperança", diz Kerr,
que trabalha com animação.
"Acima de tudo, eles mantêm
uma auto-suficiência, quase arrogância, por tudo o que conquistaram nesses 60 anos."
Para Segev, há muito o que
comemorar, mas persiste um
grande vazio.
"Israel está quase sempre entre os 20 primeiros países nos
indicadores da ONU. Isso significa que o nível de vida aqui
neste pequeno país é melhor do
que na maioria do planeta. Não
é pouco", diz Segev, admitindo
que isso não compensa a maior
frustração coletiva.
"Não chegamos à paz com os
palestinos, e esse sem dúvida é
o maior fracasso de Israel nestes 60 anos de existência."
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