São Paulo, sábado, 09 de maio de 2009

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ARTIGO

Israel substitui Saddam por Ahmadinejad como inimigo útil

Convém a Netanyahu retratar o Irã como grande perigo à existência israelense, mas incluí-lo no pacote da questão palestina só atrapalharia as duas soluções

ADRIAN HAMILTON
DO "INDEPENDENT"

COMENTA-SE ÀS vezes que, se o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, não existisse, os israelenses teriam que inventá-lo. Que prova melhor é preciso da ameaça grave que o país enfrenta do que um homem que afirma que o Estado de Israel deveria ser extirpado do mapa do Oriente Médio?
Israel é obcecado pelo Irã. Basta conversar com qualquer israelense, ouvir qualquer discurso de um político israelense ou estudar a política de segurança que está sendo desenvolvida pelo novo governo de Binyamin Netanyahu: o Irã está sempre presente.
Uma ameaça crescente que intimida o país com a possibilidade de um ataque nuclear e incentiva o Hamas e o Hizbollah, que agem com sua procuração, a perseguir o Estado judaico.
A razão dessa obsessão é evidente. Embora o Irã possa não ameaçar Israel diretamente com uma invasão armada, seu desenvolvimento nuclear desafia a segurança de Israel, como única potência atômica na região. Some-se a isso o apoio dado ao Hamas e ao Hizbollah, e fica fácil ver por que o Irã pode ser visto como motivo principal dos temores israelenses.
Por mais reais que possam ser esses temores, também é fato que convém a Israel retratar o Irã como grande perigo a sua existência. Com a queda de Saddam Hussein, Israel passou a precisar de um rival suficientemente temível para justificar suas armas nucleares secretas e a alegação de que a segurança precisa necessariamente se impor a outras considerações na relação com seus vizinhos.
Mais ainda agora, que os EUA avançam para tratativas diretas com o Irã e pressionam o novo governo israelense a iniciar conversações substantivas com os palestinos.

"Grande barganha"
De fato, na visita que fez a Washington nesta semana, o presidente israelense, Shimon Peres, utilizou o Irã muito especificamente para fazer frente a essas pressões. Sim, disse Peres, preparando o caminho para a visita de Netanyahu ainda neste mês, vamos falar com os palestinos, mas vocês, em troca, terão que neutralizar o Irã. Como "grande barganha", é uma política inteligente.
Como maneira de realmente avançar, o presidente Obama erraria se sequer a levasse em conta. Embrulhar o Irã e a Palestina num único pacote, dessa maneira, apenas tornaria muito bem difícil solucionar qualquer um dos problemas.
O Irã pode, de fato, representar um problema para a segurança regional. Mesmo que desconfiemos que possa ter a pior das intenções ao desenvolver sua tecnologia nuclear -e Teerã nega veementemente qualquer intenção de produzir armas nucleares-, o Irã parece ser movido muito mais pelo medo de ataque militar dos americanos e de ser cercado por países árabes sunitas hostis George W. Bush deu ao país persa motivos de sobra para preocupar-se mais com esses dois pontos do que por qualquer ambição de atacar Israel.
Ahmadinejad certamente acha útil intensificar a retórica antissionista como maneira de anunciar as credenciais islâmicas do Irã no mundo árabe. O Irã também acha útil ajudar a financiar e armar movimentos radicais na região, em parte pela mesma razão.
Mas Israel não é sua preocupação ou seu alvo principal atualmente. Nem nunca o foi, nem mesmo sob o aiatolá Ruhollah Khomeini (1900-1989). Acusar o Hamas e o Hizbollah de serem meros agentes que atuam com procuração de Teerã é sinal de incompreensão total da natureza desses grupos e de criação de uma desculpa conveniente para não chegar a um acordo com eles.

Rota de colisão
Se Obama e o Ocidente quiserem dialogar com o Irã, terão que fazê-lo nos termos deste. Complicar a questão, levando em conta as exigências de Israel, será contraproducente. No momento, EUA e Israel se encontram em rota de colisão.
Netanyahu recuou do conceito de uma solução de dois Estados e não sinaliza mudança de rumo na expansão de assentamentos ou outras questões controversas. O governo Obama, por outro lado, insiste em que Israel deve parar com a ampliação dos assentamentos e iniciar diálogo com vistas à criação de um Estado palestino separado.
Em discurso no Comitê Americano-Israelense de Assuntos Públicos, Shimon Peres não sugeriu que o governo Netanyahu esteja preparado para fazer quaisquer concessões importantes aos palestinos. Como não houve nada no discurso do vice-presidente Joe Biden perante a mesma audiência que indicasse que o governo americano esteja preparado para recuar na exigência do fim dos assentamentos e da solução de dois Estados. Incluir o Irã nesta mistura não vai ajudar.
Isso apenas confunde a questão, beneficiando Netanyahu. Se a proliferação nuclear no Oriente Médio é realmente a preocupação primordial de Israel, talvez o país devesse pautar-se pelo exemplo de Obama e oferecer-se a colocar em discussão seu próprio arsenal nuclear. Se o fizesse, a bola seria devolvida para o campo do Irã.


Tradução de CLARA ALLAIN


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