São Paulo, domingo, 9 de maio de 1999

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UMA VISÃO AMERICANA
EUA querem integração da Sérvia

THOMAS PICKERING
especial para a Folha

Há um buraco no mosaico da comunidade transatlântica, um buraco no coração da Europa. Não é que estejam faltando peças no mosaico, mas elas estão soltas e desordenadas. Nos Bálcãs, soldados e cidadãos estão trabalhando contra velhas atribulações da tirania, da opressão e do ódio racial e estão tendo de prestar assistência humanitária a uma população devastada. Agimos assim para proteger nossas próprias democracias bem como para proteger os kosovares. Nossa meta final não é vencer e destruir; é construir e incluir.
A primeira ordem da questão é pôr fim à repressão de Milosevic em Kosovo. Nisso a comunidade euro-atlântica está unida. Devemos manter essa unidade de objetivo. Milosevic tentará nos separar e se inclinará a fomentar disputas onde elas não existem. As metas da Otan são simples: forças sérvias fora, força de segurança internacional dentro, refugiados de volta, autogoverno sem independência.
Nós lamentamos profundamente ter sido necessário recorrer ao uso da força e sei que para alguns isso foi particularmente doloroso.
Nós, americanos, também nos lembramos de que a Sérvia, em outros conflitos, foi nossa aliada. Também nos lembramos da relativa abertura e independência que caracterizaram a Iugoslávia nos dias mais negros da Guerra Fria.
Nós, portanto, temos razões para esperar que Belgrado possa rapidamente se afastar desse curso autodestrutivo e isolacionista rumo a um reengajamento com a comunidade internacional. Não temos nenhum atrito com o povo da Sérvia. Nossa visão é que, brevemente, uma Sérvia democrática se unirá ao principal fluxo euro-atlântico.
Mesmo que odiemos continuar a campanha militar por quanto tempo for necessário, nós também desejamos fazer uma promessa aos sérvios e a todos os cidadãos do Sudeste Europeu. Essa promessa é simples: trabalhar com cada um para resolver os problemas regionais, comprometermo-nos com a reforma e ajudá-los. No vocabulário do Departamento de Estado, usamos três verbos para descrever nossa esperança para o desenvolvimento do Sudeste Europeu: estabilizar, transformar e integrar.
A solução não se limita a resolver o atual problema de Kosovo, mas também em uma política de longo prazo para a região, na qual devemos embutir nossas intenções em Kosovo e em relação à Sérvia.
Junto com o aprofundamento da cooperação com a Rússia e estabilizando seu lugar no sistema euro-atlântico, o Sudeste Europeu é uma grande questão estratégica que devemos resolver. A metade oriental da região está indo na direção certa, mas agora a tendência positiva pode ter sido atropelada pelo transbordamento da guerra.
Temos sido firmemente levados a uma série de compromissos e nossa política não pode permanecer compartimentada. Precisamos formar uma estratégia abrangente. A atual crise salientou a necessidade de se fazer isso com base nas seguintes conclusões:
Primeiro, a Europa não estará segura a menos e até que o Sudeste Europeu também o esteja. Segundo, a receita de sucesso está bem identificada. É a mesma que funcionou na resolução de disputas similares nas outras regiões européias. Trata-se de integração.
Terceiro, pode funcionar aqui também. Não aceito o argumento de que os Bálcãs sejam fundamentalmente diferentes ou incapazes de integração. O peso de uma história complexa e algumas vezes horrível torna esse desafio formidável, mas a integração é a única resposta de longo prazo.
Nossa visão comum inclui:
- Promover a democracia, a tolerância e a segurança entre os povos da região. Isso facilitaria a cooperação entre os Estados da região e aumentaria a estabilidade em toda a área euro-atlântica.
- Mudar a região de uma situação de dependência econômica para a sustentabilidade, criando economias atrativas para os investidores.
- Fornecer uma alternativa democrática e pacífica ao povo da Iugoslávia para um futuro melhor.
- Facilitar a cooperação com EUA, União Européia, Otan, ONU, OSCE, Rússia e outros Estados vizinhos, instituições internacionais e o setor privado.
Mais importante, olharemos para os países da região para traçar seu futuro comum. Eles têm o máximo em jogo e precisamos incentivar sua auto-suficiência, cooperação e criatividade.
O Sudeste Europeu é parte do grande mosaico do continente. Não será fácil restaurá-lo. Mas a parceria transatlântica nos últimos 50 anos venceu obstáculos igualmente difíceis.
²


Thomas Pickering, 67, subsecretário de Estado para Assuntos Políticos dos EUA, foi embaixador dos EUA em Israel (1985-88), Índia (92-93) e Rússia (93-96). Texto extraído de discurso feito no Instituto de Análise de Política Exterior.



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