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ENTREVISTA DA 2ª
IMMANUEL WALLERSTEIN
Obama é resposta contra reação conservadora
Para sociólogo progressista, se
eleito, democrata
marcará fim da ascensão
neoconservadora nos anos 80,
ocorrida com a eleição de Ronald
Reagan e em resposta às idéias de 1968
A ELEIÇÃO de Barack Obama criará um espaço hoje inexistente para ações sociais
nos Estados Unidos. As mudanças que
constam do slogan do democrata só ocorrerão de verdade se houver pressão popular. É a entrada da questão social ou de classe na agenda política
norte-americana, segundo o teórico de esquerda da
Universidade Yale, questão essa que o país esconde
atrás do termo "problema econômico".
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Immanuel Wallerstein está
animado. Aos 77 anos, esse sociólogo de esquerda da Universidade Yale acredita que seu
candidato, Barack Obama, será
eleito e que, se pressionado,
reagirá com mudanças sociais
nos Estados Unidos.
De qualquer forma, para o
autor de "O Declínio do Poder
Americano" (Contraponto,
2004) e freqüentador do Fórum Social de Porto Alegre, só a
candidatura do democrata já
traz a questão ao centro da política norte-americana. "Isso é
muito saudável, pois, superada
essa discussão primitiva de raça e sexo, chegamos à discussão
sobre classe, que é para onde
caminha essa eleição."
É essa questão, defende, que
levou as pessoas a comparecerem em número recorde à fase
de prévias partidárias, encerrada na última terça, e deve fazer
o mesmo em novembro, nas
eleições gerais. Leia a seguir os
principais trechos de sua entrevista à Folha, por telefone, de
New Haven (Connecticut).
FOLHA - A eleição presidencial deste ano ressuscita de alguma maneira as questões de 1968, não?
IMMANUEL WALLERSTEIN - Primeiro, devo dizer que apóio Barack
Obama, acredito que ele vá ser
eleito, batendo com facilidade o
republicano John McCain, e terá maioria no Congresso. Minha análise é à luz dessa hipótese. Assim, a relação é muito
simples. Se pensarmos que
aquele 1968 quebrou as barreiras para os chamados grupos
minoritários nos EUA, sua candidatura é uma das conseqüências. Se pensarmos que 1968
proporcionou uma abertura
para os EUA repensarem seu
papel no mundo, eis outra conseqüência atual.
Mas não esqueçamos do intervalo no meio do período entre 1968 e 2008, que foi a contra-revolução neoconservadora dos anos 80 [com a chegada
de Ronald Reagan ao poder],
com a tentativa de fazer o país
retroceder à era pré-1968, tanto em termos de influência cultural quanto de economia global. Agora, o pêndulo está indo
rapidamente em direção oposta. Onde vai parar é uma incógnita. Mas, em geral, a era dos
neoconservadores parece estar
chegando ao fim nos EUA e,
conseqüentemente, no mundo.
FOLHA - Ainda assim, não é um retrocesso que o país esteja discutindo
racismo e sexismo 40 anos depois?
WALLERSTEIN - [Risos] Esse país
vem discutindo raça e sexo há
cem anos. A discussão vai continuar. O sexismo é um elemento fundamental do capitalismo mundial, não vai sumir.
Mas hoje essa discussão tem
menos impacto político imediato nos EUA do que antes. Isso é muito saudável, sobretudo
porque superada essa discussão de certa maneira primitiva
de raça e sexo, chegamos à discussão sobre classe, que é para
onde caminha essa eleição.
Nos EUA nós não dizemos
questões sociais, questões de
classe, preferimos usar o eufemismo "problemas econômicos", mas é apenas sintaxe para
mascarar a realidade. O fato é
que a questão mais premente
da corrida será a crise econômica mundial em geral e dos EUA
em particular.
FOLHA - Classe, não raça, mesmo
com um dos candidatos majoritários sendo negro?
WALLERSTEIN - Veja, há pessoas
nos EUA que nunca votarão em
um negro, como há pessoas que
nunca votariam numa mulher.
Mas há muito menos do que
antes, esse é o primeiro aspecto, e basicamente a maioria, se
não a totalidade, já vota em republicanos de qualquer maneira. Então, não importarão do
ponto de vista da candidatura
de Barack Obama.
FOLHA - Daí o domínio do que o sr.
chama de questão de classe.
WALLERSTEIN - Sim. Isso tem levado aos altos índices de comparecimento às urnas até agora
nas prévias. E indica claramente que caminhamos para uma
participação recorde nas eleições de novembro. E esses votos vêm basicamente de pessoas das classes mais baixas,
que normalmente não votam
porque não acham que as coisas vão mudar de verdade. Essas pessoas estão sendo impelidas a votar por suas necessidades e porque acham que algo
pode realmente acontecer.
FOLHA - O sr. escreveu que a pergunta não é que mudanças um candidato como Obama fará mas sim
quais conseguirá fazer. Quais?
WALLERSTEIN - Por ser uma democrata, ele tentará minimizar
as perdas dos americanos que
foram mais atingidos pela crise
econômica. Mas não acho que
as ações do presidente dos EUA
nesse momento histórico importem muito para a economia
mundial. Essa já tem uma dinâmica própria, que passa ao largo da Casa Branca. Acredito
que a maior mudança que o
próximo presidente poderá fazer será no campo doméstico.
Por exemplo, os juizes indicados para os tribunais federais. Poderá reverter a situação
terrível deixada pelo governo
de George W. Bush em termos
de direitos civis e individuais.
Poderá agir para integrar negros, hispânicos e mulheres à
nossa cultura política. Essas
mudanças são internas, mas
muito importantes. E Obama
sofrerá uma grande pressão popular para implementá-las.
FOLHA - O sr. não acha que a frustração seria inevitável? A grande expectativa de mudança, e de certa
maneira definida por ele em termos
tão vagos como foi até agora, não
levaria a isso?
WALLERSTEIN - Sim, é indubitavelmente verdade que as expectativas sobre o que ele pode
fazer são exageradas. Por outro
lado, tudo depende do grau de
influência e pressão que os movimentos sociais norte-americanos terão sobre as eleições.
Se eles conseguirem fazer as
pessoas sentirem que devem
ser levadas em conta, certas
coisas serão alcançadas. A verdadeira questão é quanta pressão conseguirão fazer depois
que ele for eleito. Minha impressão é que a eleição de Obama criará um espaço para ação
popular, mas ele não será o ator
dessas mudanças, apenas responderá à pressão por elas.
FOLHA - O sr. foi um dos primeiros
acadêmicos a escrever que os EUA
como potência hegemônica sofreriam declínio. Foi ridicularizado.
Sente-se vingado?
WALLERSTEIN - [Risos]Quando
escrevi na revista "Foreign Policy" o artigo "The Eagle has
Crash Landed" [A águia se estatelou, em tradução livre], em
2002, fui praticamente chamado de maluco. Agora, menos de
seis anos depois, muita gente
relevante fala o mesmo. Venho
dizendo isso em artigos pelo
menos desde os anos 80.
FOLHA - Em seu livro sobre "sistema-mundo" [em que analisa o que
chama de globalização do capitalismo], os países são classificados em
centrais, semiperiféricos e periféricos. Mas a ascensão de economias
como Índia e Brasil não é prevista. O
sr. não acredita que essas economias possam vir a ser centrais?
WALLERSTEIN - Meu modelo analítico prevê que, sob condições
como as atuais, alguns países
semiperiféricos como o Brasil
podem se tornar centrais. Mas
prevê também um espaço limitado para que tais países sejam
centrais. Ou seja, alguém tem
de sair para outro entrar. Mas
falamos de países muito grandes, com populações enormes,
e, em termos de acumulação
capitalista, não é possível que
tantas pessoas acumulem tanto
capital, pois há um montante limitado de riqueza, com distribuição limitada. Para resumir
uma teoria mais complexa, não
acho que os EUA como potência hegemônica serão substituídos por outro ou outros países com as mesmas características. Embora ache que os países do Leste Asiático estejam se
tornando mais poderosos.
FOLHA - O sr. esteve algumas vezes
no Brasil. Como vê o governo Lula?
WALLERSTEIN - Lula tem sido
uma força positiva na política
brasileira, mas ele realizou bem
menos do que as pessoas esperavam. Tem uma política econômica muito complicada cujo
sucesso não é claro no momento. Um dos problemas de Lula é
que ele nunca teve maioria legislativa e não tenho certeza se
alguém um dia vai ter no Brasil,
com o sistema atual. Em geral,
no entanto, minha atitude parece com a adotada pelo MST
[Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] nas últimas eleições presidenciais: não
há alternativa senão apoiá-lo.
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