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MINHA HISTÓRIA MARCIO GAGLIATO, 30
Na mira do ditador
Brasileiro que trabalha com direitos humanos no Zimbábue diz que foi barrado pelo regime; ele denuncia tortura de opositores e critica a seleção brasileira por ter jogado lá em 2010
RESUMO
O psicólogo
paulista Marcio Gagliato,
30, trabalha como ativista
humanitário há mais de
cinco anos e já passou por
países como Timor Leste,
Sudão, Somália e Ruanda.
No Zimbábue há mais de
um ano, ele denuncia perseguição a opositores pelo
ditador Robert Mugabe,
que tenta se manter no poder no país do sul da África. Mugabe, 87, está na
Presidência desde a independência do Reino Unido, em 1980.
(...)Depoimento a
JEFFERSON PUFF
DE SÃO PAULO
Trabalho com uma ONG de
direitos humanos no Zimbábue há mais de um ano e lá
capacito profissionais locais
para atender pessoas que foram torturadas.
Mas, conforme a violência
aumenta, o governo vem fechando o cerco aos ativistas.
A ditadura mantém vigilância pesada, e senti isso na
pele quando fui barrado no
aeroporto de Harare [capital]
há dois meses, ao voltar de
uma reunião na Suíça.
A imigração zimbabuana
deteve meu passaporte e fui
deportado para a Etiópia, onde tinha feito escala.
Lá, penei para conseguir
meus documentos de volta.
Fiquei dois dias no aeroporto, com a roupa do corpo e
sob muita tensão.
Finalmente, consegui que
me mandassem para Johannesburgo [África do Sul], de
onde voltei para o Brasil [ele
conseguiu retornar ao Zimbábue na semana passada].
O que está acontecendo no
Zimbábue hoje é um cenário
de pré-guerra. O país já está
armado, e a insistência do
[ditador Robert] Mugabe de
ter eleições ainda este ano
aumenta a tensão entre os diferentes grupos políticos.
A violência cresceu de forma muito agressiva nos últimos meses. Há relatos de
queimas de aldeias, tortura e
agressões em diferentes locais todos os dias, e a partir
do momento em que a data
das eleições for definida, estoura a guerra de fato.
O fato é que forças do governo são enviadas ao interior do país para cometer
atrocidades contra grupos
que apoiam o MDC [partido
de oposição].
BOMBA-RELÓGIO
O governo aumentou a
pressão sobre as ONGs, que
vivem hoje sob temor constante quanto à continuidade
de seus projetos e acima de
tudo quanto à vida de seus
colaboradores e suas famílias. Muitos são presos e torturados. Vivo sob tensão.
Tirar os ativistas internacionais é uma tática eficiente
para minimizar a repercussão da barbárie.
O Zimbábue é uma bomba-relógio prestes a explodir.
Pode explodir se a eleição for
anunciada e pode explodir se
Mugabe, que já está com 87
anos [e no poder desde 1980],
morrer.
Já questionei especialistas
locais sobre o que aconteceria nesse caso, e eles sempre
me disseram: "A ONU pode
mandar suas tropas de paz
na mesma hora".
Não sou analista político,
mas posso comentar com autoridade a violência que
ocorre no país por conta desse cenário complexo e sei da
necessidade de organismos
internacionais de fazer um
diálogo em favor da paz.
Não é piegas. É prático, é
pragmático. Precisa haver
mais pressão internacional.
Trata-se de uma obrigação
moral de todos os países.
Por que a seleção brasileira foi jogar no Zimbábue em
junho de 2010, um país alvo
de sanções dos EUA e da
União Europeia? Minha leitura política foi a pior possível. Deu a impressão de que
estava tudo bem.
O governo brasileiro pode
e deve incentivar o diálogo
no Zimbábue. O Brasil tem
autoridade moral e acesso
para isso. Esse é o meu recorte, do discurso da paz. Acho
que [o ex-chanceler] Celso
Amorim acertou em dialogar.
Entrar lá para criticar o Zanu-PF [governista] ou o MDC
não levará a nada. Agora,
tentar impedir que as pessoas sejam torturadas e mortas pela violência é crucial.
Infelizmente, quando converso com diplomatas, há a
tendência de perguntar o que
o Brasil ganharia do ponto de
vista econômico. Para mim é
frustrante essa visão da necessidade de uma troca.
Assim coloca-se à prova o
discurso do governo de uma
maior defesa dos direitos humanos internacionalmente.
O governo brasileiro pode,
sim, fomentar o diálogo e colocar o Zimbábue na pauta
de fóruns multilaterais como
o G20. É importante que o
Brasil se posicione, e não deixe de denunciar ou condenar
abusos, como foi feito no caso do Irã no passado.
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