São Paulo, quinta-feira, 09 de junho de 2011

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MINHA HISTÓRIA MARCIO GAGLIATO, 30

Na mira do ditador

Brasileiro que trabalha com direitos humanos no Zimbábue diz que foi barrado pelo regime; ele denuncia tortura de opositores e critica a seleção brasileira por ter jogado lá em 2010

RESUMO
O psicólogo paulista Marcio Gagliato, 30, trabalha como ativista humanitário há mais de cinco anos e já passou por países como Timor Leste, Sudão, Somália e Ruanda. No Zimbábue há mais de um ano, ele denuncia perseguição a opositores pelo ditador Robert Mugabe, que tenta se manter no poder no país do sul da África. Mugabe, 87, está na Presidência desde a independência do Reino Unido, em 1980.

(...)Depoimento a

JEFFERSON PUFF
DE SÃO PAULO

Trabalho com uma ONG de direitos humanos no Zimbábue há mais de um ano e lá capacito profissionais locais para atender pessoas que foram torturadas.
Mas, conforme a violência aumenta, o governo vem fechando o cerco aos ativistas.
A ditadura mantém vigilância pesada, e senti isso na pele quando fui barrado no aeroporto de Harare [capital] há dois meses, ao voltar de uma reunião na Suíça.
A imigração zimbabuana deteve meu passaporte e fui deportado para a Etiópia, onde tinha feito escala.
Lá, penei para conseguir meus documentos de volta. Fiquei dois dias no aeroporto, com a roupa do corpo e sob muita tensão.
Finalmente, consegui que me mandassem para Johannesburgo [África do Sul], de onde voltei para o Brasil [ele conseguiu retornar ao Zimbábue na semana passada].
O que está acontecendo no Zimbábue hoje é um cenário de pré-guerra. O país já está armado, e a insistência do [ditador Robert] Mugabe de ter eleições ainda este ano aumenta a tensão entre os diferentes grupos políticos.
A violência cresceu de forma muito agressiva nos últimos meses. Há relatos de queimas de aldeias, tortura e agressões em diferentes locais todos os dias, e a partir do momento em que a data das eleições for definida, estoura a guerra de fato.
O fato é que forças do governo são enviadas ao interior do país para cometer atrocidades contra grupos que apoiam o MDC [partido de oposição].

BOMBA-RELÓGIO
O governo aumentou a pressão sobre as ONGs, que vivem hoje sob temor constante quanto à continuidade de seus projetos e acima de tudo quanto à vida de seus colaboradores e suas famílias. Muitos são presos e torturados. Vivo sob tensão.
Tirar os ativistas internacionais é uma tática eficiente para minimizar a repercussão da barbárie.
O Zimbábue é uma bomba-relógio prestes a explodir. Pode explodir se a eleição for anunciada e pode explodir se Mugabe, que já está com 87 anos [e no poder desde 1980], morrer.
Já questionei especialistas locais sobre o que aconteceria nesse caso, e eles sempre me disseram: "A ONU pode mandar suas tropas de paz na mesma hora".
Não sou analista político, mas posso comentar com autoridade a violência que ocorre no país por conta desse cenário complexo e sei da necessidade de organismos internacionais de fazer um diálogo em favor da paz.
Não é piegas. É prático, é pragmático. Precisa haver mais pressão internacional. Trata-se de uma obrigação moral de todos os países.
Por que a seleção brasileira foi jogar no Zimbábue em junho de 2010, um país alvo de sanções dos EUA e da União Europeia? Minha leitura política foi a pior possível. Deu a impressão de que estava tudo bem.
O governo brasileiro pode e deve incentivar o diálogo no Zimbábue. O Brasil tem autoridade moral e acesso para isso. Esse é o meu recorte, do discurso da paz. Acho que [o ex-chanceler] Celso Amorim acertou em dialogar.
Entrar lá para criticar o Zanu-PF [governista] ou o MDC não levará a nada. Agora, tentar impedir que as pessoas sejam torturadas e mortas pela violência é crucial.
Infelizmente, quando converso com diplomatas, há a tendência de perguntar o que o Brasil ganharia do ponto de vista econômico. Para mim é frustrante essa visão da necessidade de uma troca.
Assim coloca-se à prova o discurso do governo de uma maior defesa dos direitos humanos internacionalmente.
O governo brasileiro pode, sim, fomentar o diálogo e colocar o Zimbábue na pauta de fóruns multilaterais como o G20. É importante que o Brasil se posicione, e não deixe de denunciar ou condenar abusos, como foi feito no caso do Irã no passado.


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