São Paulo, sábado, 09 de julho de 2005

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ANÁLISE

Novos ataques são questão de "quando", e não de "se"

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os ataques terroristas de anteontem em Londres foram uma desgraça, mas não uma surpresa. Como vem alertando desde 2004 Richard Clarke, ex-czar do contraterrorismo dos governos Clinton e Bush, novos atentados em solo tanto britânico quanto americano são uma questão de "quando", e não de "se". O primeiro foi ontem (se não levarmos em conta o de Madri, sede de um governo que também participou da aliança que invadiu o Iraque em 2003).
Outros virão. O próprio Clarke, hoje militando nos meios político-acadêmicos (os chamados "think-tanks") e na mídia norte-americana por uma revisão ampla, total e irrestrita da maneira como a administração Bush vem lidando com a prevenção ao terror, escreveu um artigo que virou referência na edição de janeiro-fevereiro da revista "Atlantic Monthly". Intitulado "Dez anos depois", é uma palestra fictícia do "professor Roger McBride", da verdadeira Kennedy School of Government, que teria sido proferida em 2011, por ocasião dos dez anos do 11 de Setembro.
No texto, ele fala da ascensão da "Al Qaeda da América do Norte", da série de ataques promovidos pelas células adormecidas no país e da série de emendas ao Patriot Act que foram aprovadas na esteira dos ataques e limitaram as liberdades civis dos norte-americanos cada vez mais -quanto a este assunto, conversando com a Folha no final de 2004, os três então presidentes da divisão de notícias das principais emissoras do país (ABC, CBS, NBC) disseram que esperavam que o próximo atentado grave em solo americano causasse no mínimo a censura prévia da imprensa, prevista na Lei Marcial norte-americana.
Em sua visão, Las Vegas, um símbolo tão poderoso da decadência e da ganância americanas para o movimento islâmico radical quanto era o World Trade Center, e grandes shoppings centers localizados no interior dos EUA foram os alvos seguintes dos terroristas. Faz sentido, segundo o autor, pois a idéia é instalar o pânico também em quem pensa que está seguro, por exemplo, em Ohio. Mas Londres também tinha sido alvo, como foi anteontem. O texto de Clarke, chamado de "alarmista e desnecessário" pelos falcões da Casa Branca, não é a primeira ficção recente a infelizmente antever os fatos.
O filme "Dirty War", exibido há alguns meses pela HBO, mostrava o estrago que a explosão de uma chamada "bomba suja" (artefato explosivo convencional misturado com componentes nucleares, químicos ou biológicos) no centro da capital britânica causaria. Havia -e há- na cidade apenas dez unidades descontaminadoras, que podem "limpar" 400 pessoas atingidas por radiação por hora. Feitas as contas, levaria pouco mais de cinco dias para "liberar" apenas 250 mil habitantes.
A justificar seu exercício fantasioso, o especialista disse que freqüentemente conseguia a atenção dos generais americanos ao mostrar os chamados "jogos de guerra", com simulações, videoclipes e atores, mais do que apresentações teóricas e técnicas tradicionais, com um telão, mapas e números.
Na manhã de anteontem, chamado a comentar os atentados de Londres, Clarke disse à ABC: "Os ataques são altamente complexos. Está claro que têm a ver com o fato de o premiê do Reino Unido estar do outro lado do país recebendo os líderes do mundo industrializado. Se for mesmo um ataque islâmico, ou melhor, jihadista, a mensagem é a de que os líderes desses países estão sendo ridicularizados e diminuídos por terroristas jihadistas".
Poderia ter dito: "Eu avisei".


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