São Paulo, domingo, 09 de agosto de 2009

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"Desafio é levar Estado a áreas do Taleban"

Para porta-voz das Forças Armadas do Paquistão, ofensiva integral não é possível devido à posição hostil da rival Índia

Para Athar Abbas, ofensiva no noroeste está perto do fim; porta-voz da insurgência nega que líder Baitullah Mehsud tenha sido abatido


Fayaz Zafar/France Presse
Milicianos paquistaneses se reúnem em cidade no vale de Swat (noroeste); região está praticamente estabilizada, diz Paquistão

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A RAWALPINDI (PAQUISTÃO)

O Taleban paquistanês teve seu momento de triunfo devido à ausência do Estado nas regiões tribais, e os EUA têm de entender que não é possível manter uma ofensiva permanente do Exército do Paquistão enquanto a Índia se mantiver numa posição ofensiva.
As afirmações são do principal porta-voz das Forças Armadas do Paquistão, general Athar Abbas, que deu entrevista exclusiva à Folha na última terça.
Ele considera que a ofensiva contra o Taleban paquistanês no noroeste, em especial nas regiões de Swat e Buner, está "quase 100% completa", e que a volta de 1,3 milhão dos 2,1 milhões de refugiados pelos combates para casa prova isso.
"Nossa preocupação é fazer o Estado voltar às regiões tribais. Não havia Justiça, não havia força policial. A ideia é fazer isso com os membros da comunidade. Agora que eles viram do que os militantes são capazes, não acho que haverá espaço para dúvidas sobre que lado eles devem apoiar", diz Abbas.
As regiões tribais são compostas por áreas em três províncias em que a lei não prospera integralmente: a Fronteira do Noroeste, as Áreas Tribais Administradas pela Federação e o Baluquistão. Elementos do Taleban afegão e outros radicais têm trânsito quase livre nessas áreas, que desenvolveram os próprios radicais.
A ofensiva ocorreu depois que o governo de Asif Ali Zardari fechou polêmico acordo neste ano com os fundamentalistas controlados pelo clérigo pró-Taleban Sufi Muhammad. "Eles queriam a sharia no Swat, e nós demos a eles", diz Abbas, referindo-se à lei islâmica cuja interpretação pode ser mais ou menos radical.
Foi um erro, então? "Não creio. Eles romperam um acordo. Se negaram a devolver as armas, como estava combinado. Só fizemos o trato porque sabíamos que o povo estava cansado das ações na região."
A política de Islamabad para suas áreas tribais tem sido pendular. Nos anos do governo militar de Pervez Musharraf (1999-2008), acordos pontuais foram feitos para tentar apaziguar ânimos, alternados com ofensivas para mostrar serviço aos EUA, que despejaram cerca de US$ 10 bilhões no país pelo apoio pós-11 de Setembro.

Eleição no Afeganistão
Resultado: os militantes só se fortaleceram, a ponto de controlarem quase totalmente a região do Waziristão do Sul.
Lá o Exército não deve fazer ofensiva em breve, apesar dos apelos americanos. Para Abbas, o terreno é ainda mais difícil de lidar do que no noroeste e os guerreiros locais são mais eficazes e perigosos por terem sido treinados por Baitullah Mehsud. "E há muitos estrangeiros, uzbeques, afegãos, sauditas e outros árabes nas fileiras de Mehsud. Ao todo, uns 10 mil homens", calcula Abbas.
Líder do Taleban paquistanês, ele foi dado anteontem pelo governo como morto após ataque de um avião americano não tripulado. Ontem, um porta-voz do Taleban desmentiu a informação, embora um auxiliar dele a houvesse confirmado na véspera.
Para a ação no Swat, Islamabad empregou 30 mil de seus 620 mil soldados. "Agora iremos cercar os militantes e fazer ataques aéreos, é mais produtivo. Não adianta pedirem mais, temos outros problemas."
A começar pelos arqui-inimigos indianos. O porta-voz não mede palavras: os EUA não podem pedir mais tropas para as áreas tribais, "há um inimigo pronto para varrer nosso país".
A retórica agressiva, que tem espelho em Nova Déli e às vezes soa paranoica, vem do fato de a Índia ter equipamentos de ponta para um primeiro ataque, como mísseis e caças, sem falar em um Exército mais poderoso. Isso para ficarmos na guerra convencional -ambos os países têm a bomba atômica.
E os grupos militantes alimentados secretamente pelo Paquistão, como o que atacou Mumbai no ano passado? Para Abbas, Islamabad já os declarou terroristas, e isso basta. A Índia, é claro, não pensa assim.
Indagado sobre a eleição afegã do dia 20 e seus efeitos no Paquistão, o general modera o tom. "Não temos nada a ver com assuntos de lá, mas esperamos que todos estejam bem representados. Se os pashtuns não tiverem para quem olhar em Cabul, vão olhar para cá."
Ele se refere à etnia que soma quase 40% dos afegãos e que é uma das quatro principais do Paquistão, sendo dominante justamente nas áreas tribais.
Como sempre na história colonial, as fronteiras entre Paquistão e Afeganistão são ilusórias. Foram criadas para formar um Estado que separasse o Império Britânico da Rússia czarista no século 19 -não por acaso, o território afegão tem um "rabicho" no seu canto nordeste, apenas para evitar tal contato das fronteiras à época.
Logo, pode-se pensar num "Pashtunistão" em linhas étnicas quase como um país. O que acontece em uma comunidade reflete no outro lado da divisa.
O Ocidente, para Abbas, não percebe todas as nuances. Ele repete a crítica oficial de Islamabad sobre as operações no sul afegão, que podem trazer mais militantes a regiões instáveis. Mas elogia a cooperação com os EUA, apesar das críticas internas ao uso de aviões não tripulados para ataques em áreas tribais: "Quando nos informam, ajudamos e dá certo".
A questão é, para o Exército do Paquistão, o "quando" da frase de seu porta-voz.


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