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Excêntrica primeira-dama rege o poder na Nicarágua
Rosario Murillo se tornou superministra no segundo governo de Daniel Ortega
Para os opositores, a poetisa erótica e ex-guerrilheira trocou ascensão por defesa do marido contra sua filha, que o acusou de estupro
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A MANÁGUA
Fora da Nicarágua, o presidente Daniel Ortega é muitas
vezes visto sob a sombra do colega venezuelano, Hugo Chávez. Mas, dentro do país, todos
sabem que não existe decisão
no governo sandinista adotada
sem o crivo da primeira-dama,
Rosario Murillo.
Ex-guerrilheira, presa política nos anos 1970, escritora de
poesias eróticas e épicas, educada na Suíça e no Reino Unido,
vegetariana e seguidora do guru indiano Sai Baba, Murillo,
58, é uma superministra nesta
segunda passagem de Ortega
pela Presidência.
Como coordenadora do Conselho de Comunicação e Cidadania (cargo especialmente
criado para ela), a primeira-dama administra toda a área social do governo, além de acumular a função de porta-voz da
Presidência.
Com fama de centralizadora,
Murillo costuma cuidar de assuntos até os mínimos detalhes. Para a comemoração dos
30 anos do fim da ditadura Somoza, no último dia 19, foi sua a
excêntrica ideia de colocar gigantescas árvores de Natal com
o número 30 no topo nos principais cruzamentos da capital
Manágua.
Nos dias após o aniversário, a
propaganda oficial na TV mostrava trechos do discurso de
Murillo -e não do de Ortega.
"A marcha da vitória não se detém", disse a primeira-dama,
em meio a uma fala cheia de referências esquerdistas e com
poucas frases inteiras. Vestia
uma roupa branca de inspiração hippie e adornada por dezenas de colares, brincos e pulseiras, além de um óculos no estilo
John Lennon.
"É ela quem governa o país,
apesar da proibição expressa
do nepotismo e de não ter sido
eleita pelo voto popular", diz a
jornalista e dissidente sandinista Sofia Montenegro, que
conviveu com Murillo nos anos
1970 e 1980. "Ortega nunca
soube governar, é um ativista
que vive em campanha eleitoral permanente."
Juntos há 31 anos (se casaram em segredo durante a
guerrilha contra Somoza), o casal teve a sua prova de fogo em
1998, quando Zoilamérica Narváez Murillo, filha apenas de
Rosario, acusou Ortega de tê-la
violentado dos 11 aos 19 anos.
Durante o escândalo, Rosario
defendeu Ortega contra a filha,
posição que, para muitos, explica a ascendência da primeira-dama sobre o governo. "Num
sistema corporativo, em troca
de desautorizar e denunciar a
própria filha, ela fica com a metade de tudo", diz Montenegro.
Ortega foi absolvido das acusações da enteada na Justiça,
mas o escândalo sempre volta à
tona em campanhas eleitorais.
"Isso foi uma trama montada, é coisa da CIA", disse o ministro da Cultura, Luis Morales, que convive com o casal há
30 anos e teve Zoilamérica como assistente. "Ortega foi seminarista, tem formação cristã,
não tem sequer uma atitude
ousada contra outras pessoas."
Morales descreve a primeira-dama como sendo "especialmente generosa, que ajuda a
muita gente sem dizer; uma
mulher de vocação familiar.
Duas tias solteironas viveram
com ela até a morte. Mas tem
vida própria, estudou no exterior e é vinculada a um ambiente intelectual internacional".
Neoconservadorismo
O casal voltou a gerar controvérsias no país em 2006, quando se casou oficialmente na
Igreja Católica, numa cerimônia a poucos meses da eleição
que devolveria Ortega à Presidência, 17 anos após o fim do
primeiro mandato (Murillo era
chefe da campanha eleitoral).
O casal aprofundou ainda
mais a aliança com o conservadorismo católico ao apoiar uma
legislação que modificou uma
lei instituída no século 19, que
autorizava aborto em caso de
risco de morte para a mãe.
"Ortega e Murillo acreditam
na relação de casal dentro da
base social da família", afirma
Morales. "O governo da Nicarágua é como uma casa, em que
pai e mãe dividem as funções."
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