São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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ÍNDIA
Governo indiano considera o milenar sistema um assunto interno e não aceita discuti-lo

Castas condenam 180 milhões à exclusão

DA ENVIADA ESPECIAL

Cerca de 60 dalits -os "intocáveis" indianos- fizeram greve de fome em Durban para pedir que a conferência tratasse o tema das castas, incluindo a discriminação por ascendência e trabalho, em seu documento final. Apesar do protesto, os párias não foram contemplados pelo documento, embora tenham sido citados na declaração final das ONGs.
A Índia não aceita discutir o assunto, que considera uma questão interna.
"Eles estão trancados aí dentro, não sabem o que é ser um pária. É ter de carregar excremento humano nas cidades, é trabalhar de graça, é ver os filhos considerados como seres inferiores", afirma Pascal Mary, nascida entre os dalits.
Os dalits, ou intocáveis, formam 18% da população da Índia, cerca de 180 milhões de pessoas -mais que a população brasileira. Não podem visitar templos, retirar água dos mesmos poços ou enviar seus filhos às mesmas escolas que as castas dominantes. Na Índia, ao menos 1 milhão de dalits limpam latrinas públicas e recolhem animais mortos das ruas.

Estupros e mortes
De acordo com um relatório da organização de direitos humanos Human Rights Watch publicado em 1999, a cada ano se registram mais de 100 mil casos de estupros, mortes e roubos contra os dalits.
Eles formam o grupo mais pobre da sociedade hindu. No sistema de castas, profissão e status social são herdados dos pais. Aos párias resta a exclusão: são considerados "intocáveis" até mesmo pelos que ocupam as castas mais baixas.
A um pária é proibido não só casar com alguém de casta superior, como sentar-se ao lado, caminhar ou usar a mesma louça que os "tocáveis".
"Recebemos das castas superiores a comida considerada estragada. Não podemos beber água num copo, temos de beber água com as mãos em concha, em posição de inferioridade", afirma Pascal Mary.
A estrutura hierárquica do hinduísmo, religião majoritária na Índia, determina lugares diferentes na sociedade e os tipos de relacionamento (incluindo casamentos, que normalmente não ocorrem entre membros de castas diferentes). Há quatro castas: sacerdotes ou brâmanes, os dirigentes, agricultores e comerciantes, artesãos.
Casamentos entre dalits e membros de castas superiores são proibidos. "Há um mês, um rapaz de classe superior casou com uma mulher dalit por quem se apaixonou. Os dois foram enforcados. Estamos no século 21, é um absurdo", diz Jyothi Rag.
Muitas cidades continuam a ter um abastecimento de água diferenciado para os párias e os membros da sociedade.
No Nepal, os párias são cerca de um quinto da população de 25 milhões de habitantes. Representam o grupo mais pobre. São párias 90% dos nepaleses que se encontram abaixo da linha de pobreza.
A indiana Annie Namala, da Campanha Nacional pelos Direitos dos Párias, afirma que o sistema de castas faz parte da religião hinduísta e que por isso é tão difícil combatê-lo.
"Está entranhado na mente e na história da Índia que há pessoas superiores e inferiores. É difícil mudar isso", afirma a ativista, que é cristã. Namala diz que não nasceu entre os párias e que não se considera membro de nenhuma casta. "O que eu quero é o fim das castas", diz.

Apoio de cristãos
A campanha pelo fim das castas ganhou força a partir de 1998, com apoio de grupos ligados a outras religiões que também existem na Índia, principalmente com o apoio de grupos cristãos.
"A questão das castas está tão incorporada que as pessoas a aceitam como normal", diz Theodore Sathyanandan, do Movimento de Libertação dos Dalits. "É novo que os dalits estejam reagindo à discriminação."
O sistema de castas foi abolido pela Constituição da Índia em 1950, mas ainda vigora em parte do país, principalmente fora dos grandes centros urbanos.
O governo indiano desenvolve atualmente um programa especial para promover o papel dos dalits na sociedade. Estabeleceu cotas para dalits na educação pública, por exemplo. Mas, na zona rural, onde vive a maior parte da população (de cerca de 1 bilhão de pessoas), a discriminação ainda é muito forte. Ali, os dalits não têm direito a terras nem a empregos decentes.
O movimento Campanha Nacional em Prol dos Direitos Humanos dos Dalits registrou um aumento nos crimes de ódio contra os "intocáveis" desde a ascensão ao poder de nacionalistas.


Colaborou Paulo Daniel Farah


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