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ÍNDIA
Governo indiano considera o milenar sistema um assunto interno e não aceita discuti-lo
Castas condenam 180 milhões à exclusão
DA ENVIADA ESPECIAL
Cerca de 60 dalits -os "intocáveis" indianos- fizeram greve de fome em Durban para pedir que a conferência tratasse o
tema das castas, incluindo a discriminação por ascendência e
trabalho, em seu documento final. Apesar do protesto, os párias não foram contemplados
pelo documento, embora tenham sido citados na declaração
final das ONGs.
A Índia não aceita discutir o
assunto, que considera uma
questão interna.
"Eles estão trancados aí dentro, não sabem o que é ser um
pária. É ter de carregar excremento humano nas cidades, é
trabalhar de graça, é ver os filhos
considerados como seres inferiores", afirma Pascal Mary, nascida entre os dalits.
Os dalits, ou intocáveis, formam 18% da população da Índia, cerca de 180 milhões de pessoas -mais que a população
brasileira. Não podem visitar
templos, retirar água dos mesmos poços ou enviar seus filhos
às mesmas escolas que as castas
dominantes. Na Índia, ao menos
1 milhão de dalits limpam latrinas públicas e recolhem animais
mortos das ruas.
Estupros e mortes
De acordo com um relatório
da organização de direitos humanos Human Rights Watch
publicado em 1999, a cada ano se
registram mais de 100 mil casos
de estupros, mortes e roubos
contra os dalits.
Eles formam o grupo mais pobre da sociedade hindu. No sistema de castas, profissão e status
social são herdados dos pais.
Aos párias resta a exclusão: são
considerados "intocáveis" até
mesmo pelos que ocupam as
castas mais baixas.
A um pária é proibido não só
casar com alguém de casta superior, como sentar-se ao lado, caminhar ou usar a mesma louça
que os "tocáveis".
"Recebemos das castas superiores a comida considerada estragada. Não podemos beber
água num copo, temos de beber
água com as mãos em concha,
em posição de inferioridade",
afirma Pascal Mary.
A estrutura hierárquica do
hinduísmo, religião majoritária
na Índia, determina lugares diferentes na sociedade e os tipos de
relacionamento (incluindo casamentos, que normalmente não
ocorrem entre membros de castas diferentes). Há quatro castas:
sacerdotes ou brâmanes, os dirigentes, agricultores e comerciantes, artesãos.
Casamentos entre dalits e
membros de castas superiores
são proibidos. "Há um mês, um
rapaz de classe superior casou
com uma mulher dalit por quem
se apaixonou. Os dois foram enforcados. Estamos no século 21,
é um absurdo", diz Jyothi Rag.
Muitas cidades continuam a
ter um abastecimento de água
diferenciado para os párias e os
membros da sociedade.
No Nepal, os párias são cerca
de um quinto da população de
25 milhões de habitantes. Representam o grupo mais pobre. São
párias 90% dos nepaleses que se
encontram abaixo da linha de
pobreza.
A indiana Annie Namala, da
Campanha Nacional pelos Direitos dos Párias, afirma que o
sistema de castas faz parte da religião hinduísta e que por isso é
tão difícil combatê-lo.
"Está entranhado na mente e
na história da Índia que há pessoas superiores e inferiores. É difícil mudar isso", afirma a ativista, que é cristã. Namala diz que
não nasceu entre os párias e que
não se considera membro de nenhuma casta. "O que eu quero é
o fim das castas", diz.
Apoio de cristãos
A campanha pelo fim das castas ganhou força a partir de 1998,
com apoio de grupos ligados a
outras religiões que também
existem na Índia, principalmente com o apoio de grupos cristãos.
"A questão das castas está tão
incorporada que as pessoas a
aceitam como normal", diz
Theodore Sathyanandan, do
Movimento de Libertação dos
Dalits. "É novo que os dalits estejam reagindo à discriminação."
O sistema de castas foi abolido
pela Constituição da Índia em
1950, mas ainda vigora em parte
do país, principalmente fora dos
grandes centros urbanos.
O governo indiano desenvolve
atualmente um programa especial para promover o papel dos
dalits na sociedade. Estabeleceu
cotas para dalits na educação
pública, por exemplo. Mas, na
zona rural, onde vive a maior
parte da população (de cerca de
1 bilhão de pessoas), a discriminação ainda é muito forte. Ali, os
dalits não têm direito a terras
nem a empregos decentes.
O movimento Campanha Nacional em Prol dos Direitos Humanos dos Dalits registrou um
aumento nos crimes de ódio
contra os "intocáveis" desde a
ascensão ao poder de nacionalistas.
Colaborou Paulo Daniel Farah
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