São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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Escritores debatem seu papel em conflitos

DO ENVIADO ESPECIAL

Escritores de países em conflito se reuniram na semana passada em Tromso, no norte da Noruega, muito além do Círculo Polar Ártico, para debater sua função nessas sociedades em transe, dentro das comemorações dos cem anos do Prêmio Nobel da Paz, outorgado pela Noruega.
Cada um relatou como influencia e é influenciado pela violência. O único consenso parece ser o de que a literatura, se é incapaz de agir de forma imediata para impedir as carnificinas, pode servir ao menos para revelar ao outro lado que o inimigo é tão humano quanto ele.
O sul-africano branco Andre Brink, por exemplo, conta que Nelson Mandela leu vários livros africâneres em seus longos anos na prisão e depois revelou ter sido uma das melhores formas de compreender o inimigo e sua forma de pensar. "A descoberta do outro e o reconhecimento do outro é a coisa mais importante e mais difícil num conflito", disse.
"Um branco que leu um dos meus livros me confessou depois que não sabia que negros podiam ser assim. Uma confissão terrível, mas que mostra a relevância da literatura", concluiu Brink, que chegou a ser detido pelo regime racista sul-africano por sua luta contra o apartheid.
Já o irlandês Joseph O'Connor destacou a perniciosa memória seletiva de católicos e protestantes num conflito onde "Deus é a bomba atômica".
O palestino Izzat Ghazzawi sugeriu que os políticos deveriam dar seus postos aos escritores, muito mais sensíveis e compreensivos. "A literatura é a forma mais profunda para se conhecer o outro", disse ele.
Foram três dias de discussões em Tromso, com os escritores fazendo recitais depois nos cafés e bares da pequena cidade ártica, de 60 mil habitantes, com a localização isolada do encontro já fornecendo uma grande metáfora sobre o pouco poder de seus escritos diante dos conflitos que refletem e comentam. Por mais que estejam certos, sua influência e leitorado são muito limitados, ainda mais em países onde ódios antigos alimentados por mitos e lendas são a verdadeira ficção a preencher o imaginário dos beligerantes.
Talvez mais fácil do que promover a literatura, esperando que ela reduza conflitos, seja adotar o conselho do israelense Amos Oz: "A melhor forma de evitar conflitos é não nos levarmos a sério, rirmos de nós mesmos. Fanáticos não têm senso de humor". (SM)



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