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Relatos contradizem parte da versão oficial do massacre
ANDREW OSBORN
DO "INDEPENDENT", EM BESLAN
No episódio do massacre da escola de Beslan, nem sempre a versão oficial dos fatos encontra correspondência nas investigações e
nos relatos de testemunhas.
A versão oficial - Os terroristas
eram um grupo de mercenários de
origens diversas, alguns árabes e
outros da Tchetchênia e da Inguchétia. Várias mulheres-bomba, ou
"shakidki", conhecidas como "viúvas negras", também teriam estado
na escola. A ação também teria contado com combatentes do Cazaquistão e com "eslavos".
O presidente russo, Vladimir Putin, declarou que os combatentes tinham vínculos com a Al Qaeda e o
terrorismo internacional. Num primeiro momento, as autoridades insistiram que entre 17 e 20 pessoas
tomaram parte na ação.
Os fatos - Os seqüestradores
eram em número muito maior
-teriam sido pelo menos 32. Os
reféns disseram não ter visto árabes entre os terroristas e que estes,
o tempo todo, falaram entre si
apenas em russo, se bem que com
sotaque forte. Mas um dos seqüestradores capturados, aparentando ter sido submetido a "interrogatório intenso", falou que havia árabes, uzbeques e pessoas de
outras nacionalidades.
Os reféns também afirmam que
pelo menos um dos terroristas era
"um homem negro e alto, de físico forte", e as autoridades dizem
que outro era de Qatar.
A versão oficial - Um porta-voz do
governo da Ossétia do Norte disse
que havia 354 reféns.
Os fatos - Na verdade, 1.181 reféns foram mantidos dentro da
escola. Entre eles havia crianças,
seus irmãos em idade pré-escolar
que os haviam acompanhado à
escola, pais e mães, avós e avôs,
professores, funcionários administrativos e vizinhos da escola. A
mídia russa afirma que o fato de
as autoridades terem divulgado
propositalmente um número inferior de reféns enfureceu os terroristas, que se tornaram ainda
mais implacáveis.
A versão oficial - Moscou foi obrigada a acionar as forças especiais
depois de serem ouvidas duas explosões no interior da escola e de
os seqüestradores terem atirado
contra as crianças pelas costas,
quando que elas tentavam fugir.
O tiroteio começou pouco depois
de um ônibus do governo russo ter
entrado na escola para recolher os
corpos em decomposição de até 20
pessoas que tinham sido mortas
pelos terroristas nos dois dias anteriores. Os terroristas tinham permitido o acesso do ônibus, por razões
humanitárias. As autoridades insistem que não planejavam invadir
a escola e que foram pegas desprevenidas; o plano teria sido seguir
adiante com as negociações.
Os fatos - Uma fita de vigilância
que teria sido gravada pelas forças
especiais russas mostra os terroristas, minutos antes da primeira
explosão, discutindo entre si se ficavam ou fugiam. A fita leva a crer
que a primeira bomba pode ter sido detonada como parte dessa desavença interna. Aparentemente,
alguns dos terroristas achavam
errado fazer crianças de reféns;
eles teriam sido mortos por seus
próprios companheiros.
Seja qual for a verdade, parece
que os russos se preparavam para
invadir a escola de qualquer maneira. Embora o presidente da Ossétia do Norte, Alexander Dzsokhov, tivesse dito que não permitiria que a escola fosse invadida,
ele parece ter ordenado preparativos intensivos para esse cenário.
Fontes militares citadas pelo semanário russo "Novaya Gazeta"
afirmam que não estavam ocorrendo negociações e que as autoridades não tinham intenção de
atender a nenhuma reivindicação. Ruslan Aushev, ex-presidente da Inguchétia, que conseguiu
entrar na escola e retirar 26 pessoas de lá, foi ouvido dizendo que
"o governo abandonou todos à
própria sorte".
Aushev afirmou que, na sexta-feira, os terroristas estavam dispostos a negociar, mas que houve
uma explosão que levou os reféns
a fugir e moradores locais a abrir
fogo. Segundo uma mulher, um
dos terroristas detonou uma
bomba no ginásio por acidente.
Aushev atribui a culpa do que
aconteceu a seguir aos moradores. "Pedimos a eles [os seqüestradores] que parassem de atirar. Ligamos para eles pelo celular. Eles
disseram: "Nós já paramos de atirar, quem está atirando são vocês". Demos o comando de cessar-fogo. Mas uma "terceira força" estúpida interveio. Não sei como
eles apareceram por lá. Estamos
investigando isso. O fato é que alguns "milicianos" armados com
fuzis de assalto decidiram libertar
os reféns eles mesmos e abriram
fogo contra a escola."
Aushev afirma que os terroristas acharam que estava acontecendo uma invasão das tropas
russas e, então, detonaram seus
explosivos, fazendo com que o teto do ginásio desabasse sobre as
cerca de 500 pessoas que estavam
no local. Depois disso, as tropas
realmente começaram a atacar.
Mas é pouco provável que a verdade sobre o que realmente aconteceu em 3 de setembro algum dia
venha à tona. Putin já recusou um
inquérito público e disse que há
versões conflitantes demais sobre
o que aconteceu.
A versão oficial - Os russos disseram que o cerco foi planejado por
um senhor de guerra inguche que
teria vínculos com o senhor de
guerra tchetcheno Shamil Basayev, o homem mais procurado da
Rússia. Aparentemente a operação
teria sido financiada por árabes ricos do Oriente Médio que teriam ligações com a Al Qaeda.
Os fatos - Os investigadores dizem que os terroristas recebiam
ordens de Basayev pelo telefone.
Um terrorista capturado pelos
russos pareceu confirmar essa
versão. Ele disse que os terroristas
eram controlados por Basayev e
por Aslan Maskhadov, o presidente rebelde da Tchetchênia.
"Nós nos reunimos na floresta,
e o Coronel -esse é seu apelido- disse que devíamos tomar a
escola em Beslan", disse o homem, que tinha cabelos escuros e
curtos e não tinha barba. "Quando perguntamos ao Coronel por
que deveríamos fazer isso, ele respondeu: "Porque precisamos iniciar uma guerra em todo o território do norte do Cáucaso"."
Quem planejou a operação o fez
com grande cuidado, vigiando a
escola com meses de antecedência. Terroristas que se fizeram
passar por funcionários puseram
grandes quantidades de armas,
explosivos e munição dentro do
prédio durante obras de manutenção da escola realizadas nas férias de verão. Algumas das armas
estavam escondidas debaixo do
piso da biblioteca da escola.
Outras escolas em Beslan também foram consideradas como
alvos possíveis da ação, e os terroristas usaram pelo menos dois policiais para ajudá-los a passar por
barreiras policiais. Não está claro
se os policiais agiram por conta
própria ou se foram obrigados ou
pressionados a fazê-lo.
A versão oficial - Putin elogiou as
forças especiais, louvando sua bravura e seus sacrifícios. Mais tarde,
porém, admitiu que as coisas poderiam ter sido conduzidas de maneira melhor e que a segurança terá
de ser intensificada.
Putin afirmou que a Rússia se enfraqueceu e disse que "os fracos
são espancados". Ele também sugeriu que a transição econômica
russa para uma economia de mercado tenha levado os órgãos de segurança a se enfraquecerem por
falta de recursos vitais.
Os fatos - Um alto funcionário
russo admitiu, depois da tragédia,
que até 20 integrantes das forças
especiais russas que morreram na
ação foram abatidos por "fogo
amigo".
Aslanbek Aslakhanov, o especialista do Kremlin sobre a região,
disse que muitos desses homens
receberam tiros nas costas de moradores locais revoltados. Desesperados para libertar os reféns, os
moradores atiraram contra a escola de maneira indiscriminada.
As unidades de elite russas Alfa
e Vimpel nunca antes sofreram
baixas tão pesadas.
A versão oficial - Embora, num
primeiro momento, as autoridades
tenham afirmado ter recebido uma
série de exigências dos terroristas
contidas numa fita de vídeo jogada
desde uma das janelas da escola,
mais tarde se retrataram e disseram que a fita estava vazia.
Ao afirmar que as exigências dos
terroristas eram vagas e mal formuladas, as autoridades deram a
impressão de que os próprios seqüestradores não sabiam o que
queriam. Essa idéia formava um
contraste marcante com anúncios
anteriores, segundo os quais os seqüestradores exigiam a retirada
das tropas russas da Tchetchênia e
a libertação de dezenas de combatentes presos.
Os fatos - Putin disse que os terroristas queriam "explodir" a região e suscitar choques étnicos e
religiosos. Ele sugeriu que os rebeldes estariam tentando espalhar a sede de independência dos
tchetchenos por toda a região, para que outras repúblicas do Cáucaso também comecem a lutar
por sua autonomia.
As exigências iniciais quanto à
retirada das tropas da Tchetchênia e a soltura de prisioneiros parecem ter sido verdadeiras. Aparentemente, os rebeldes exigiram
que Putin assinasse um decreto
presidencial para a retirada das
tropas russas.
Tradução de Clara Allain
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