São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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ONU faz Taiwan refém da China

Demanda para ser aceita pelo organismo leva debate político na ilha a se restringir à relação com Pequim

Campanha promovida pelo presidente Chen Shui-bian é passo pela independência, contra a qual os chineses prometem usar força militar

Luciana Coelho/Folha Imagem
Templo religioso em Taipé (à esq.) e comerciante na ilha de Kinmen, o ponto mais próximo da China (7 km)


LUCIANA COELHO
ENVIADA A TAIWAN

Quando o palácio presidencial em Taipé estendeu, no início da semana passada, enormes banners defendendo a entrada de Taiwan na ONU sob esse nome -e não o atual República da China-, a fachada da sede do Executivo passou a expor algo além do intento pela independência oficial da ilha, tida pela China como Província rebelde e reconhecida como país por apenas 24 nações.
Embrulhado em cartazes coloridos, o prédio da época da dominação japonesa, na primeira metade do século 20, deixa patente o quanto o presidente Chen Shui-bian aferrou-se à demanda independentista no exato momento em que seu país enfrenta a "deserção" da Costa Rica -que em junho trocou o alinhamento a Taipé por uma relação com Pequim- e em que seu Partido Progressista Democrático (PPD) perde apoio popular a seis meses das eleições presidenciais.
Para ser encaminhado, o pleito ainda precisa ser ratificado por um referendo. E para que haja consulta popular (o governo gostaria que ela acontecesse junto com as eleições, em março próximo), é necessário que o PPD colete cerca de 850 mil assinaturas -tarefa à qual o partido vem se dedicando arduamente nas últimas semanas, com sucesso.
Mas, mesmo incipiente, a proposta expõe o paradoxo de Taiwan: embora a China não dite as políticas da ilha, que goza de autonomia em suas decisões, é em torno dela que gira qualquer debate taiwanês.
O resultado é a simplificação do cenário em duas coalizões: a Pan-Verde (pró-independência), apoiada pela geração mais jovem e com base larga no sul, e a Pan-Azul (pró-China), que encontra suporte entre os mais velhos -muitos deles nascidos na China- e nas regiões ao norte, incluindo a capital.
À frente dos "verdes" está o PPD. A oposição cabe ao Kuomintang (KMT), que governou Taiwan por 50 anos -a maioria deles como ditadura- a partir de 1949, quando seus dirigentes chegaram à ilha derrotados na guerra civil na China (que quatro anos antes retomara Taipé dos japoneses).
Entre os dois, não há quase debate doméstico, e as plataformas só diferem claramente no que tange à independência.

"Voz do povo"
A 160 km dali, do outro lado do estreito de Taiwan, a independência da ilha é assunto proibido. Para a China continental, o território é Província sua, sem margem para discussão. E quem quiser manter relações com Pequim -leia-se quase 90% do mundo- deve pensar da mesma forma.
"Este ano e o próximo representam um momento de alto risco para a situação de Taiwan", disse na última quinta-feira o presidente chinês, Hu Jintao, a seu colega americano, George W. Bush, antes da cúpula da Apec (fórum de cooperação Ásia-Pacífico). "Temos de fazer uma advertência mais severa às autoridades de Taiwan."
Nada reconfortante para Taipé vindo de alguém que tem hoje sob seu controle 800 mísseis apontados para a ilha.
Como a China tem poder de veto no Conselho de Segurança da ONU, que vota pela inclusão de um novo país na Assembléia Geral, é difícil crer que a reivindicação de Taiwan seja aceita. Por que então prosseguir?
"Parte da comunidade internacional tende a pensar que a entrada de Taiwan na ONU não seja nem sequer um tema de debate, não só por causa do veto chinês mas porque ela estaria veiculada a interesses eleitorais do partido do governo. O referendo é para dizer ao mundo que esse clamor é do povo", disse à Folha I-Chung Lai, diretor do Departamento de Assuntos Estrangeiros do PPD.
A despeito da convicção eloqüente de Lai e dos cartazes de campanha pró-referendo espalhados pela sede do partido em Taipé, é difícil crer que a consulta popular esteja totalmente desvinculada da corrida presidencial, na qual o partido governista aparece em ligeira desvantagem.
"O apoio ao KMT não tem a ver com a política deles, mas com a desaprovação ao PPD. Cometemos erros", diz Lai, citando o crescimento econômico na casa dos 4% como "muito baixo" e o desemprego acima dos 3% como "muito alto".
Pesam também denúncias de corrupção contra o partido, que espirraram inclusive no presidente Chen e em sua mulher -embora o candidato de oposição, Ma Ying-jeou, também tenha ido a julgamento e sido recentemente absolvido.

Ceticismo
O cenário árido tanto dentro quanto fora do país tem deixado parte dos diplomatas de Taipé e mesmo nomes de peso nas próprias fileiras do PPD um tanto céticos quanto à proposta -a ponto de ter sido necessário que o partido insistisse com seu candidato à Presidência, Frank Hsieh, para adotar um discurso independentista mais firme.
"Boa parte da população não está interessada no assunto a ponto de se mobilizar", disse à Folha um diplomata taiwanês. "Muita gente gostaria de empurrar o tema com a barriga pelo maior tempo possível."
Mas manter o status atual por muito tempo não é uma solução viável, e não só por causa das crescentes pressões chinesas pela reunificação.
A explicação mais pragmática vem do prefeito de Tainan, cidade no sul do país que é importante base do PPD: "Podemos manter o status que temos hoje por mais cinco, 15, talvez até 20 anos", diz Tain-Tasair Hsu. "Em cinco anos não há como a China recuperar Taiwan. Mas se esse status perdurar por 10 ou 15 anos, as pessoas em Taiwan tendem a se tornar mais cínicas e simplesmente deixar de se importar com a independência. Aí, sim, a China pode conseguir o que quer."

A jornalista LUCIANA COELHO viajou a Taiwan a convite do Escritório Econômico e Cultural de Taipé em São Paulo


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