São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2008

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Oposição impõe toque de recolher na Bolívia

Proibição de comércio pára departamento que concentra 60% da produção de gás

Opositores pressionam por devolução de parcela de imposto que Morales usa para bolsa-idoso; Polícia Nacional não reage a ataque


Féliz Pocoata/Folha Imagem
Universitários e integrantes do Comitê Cívico de Tarija atacaram policiais e invadiram escritório de migrações do governo nacional

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A TARIJA (BOLÍVIA)

O departamento boliviano de Tarija, de onde a Petrobras extrai a maior parte do gás que vai ao Brasil, viveu ontem mais um dia de locaute e toque de recolher organizado pela oposição ao governo de Evo Morales. A Petrobras afirma que a produção de gás não foi atingida.
Os protestos -liderados por governadores e associações aliadas- também se espalharam pelos demais departamentos governados pela oposição. Grupos anti-Morales anunciaram o fechamento de ligações fronteiriças com o Brasil em Santa Cruz (no leste) e em Beni e Pando (no norte) e a ocupação de postos de Alfândega.
A ameaça contra aeroportos fez as principais companhias aéreas cancelarem os vôos para Tarija, capital do departamento. O mesmo aconteceu em Cobija, capital de Pando, na divisa com o Acre, onde na sexta-feira passada um avião militar foi atacado por opositores.
Nas ruas de Tarija, enquanto grupos de jovens formavam as "brigadas da paralisação" -que faziam ronda para se certificarem de que o toque de recolher estava sendo acatado-, muitos exibiam muxoxos de resignação, mesmo quando concordavam com a oposição.
"Andar ainda não está proibido, então eu vim, mesmo que tenha pouca gente na rua", diz a ambulante Emiliana Peñalosa, que, por pudor, tapa a boca com dentes faltando. "Estou a favor do presidente, que é pobre como eu", continua.
O taxista Wilson Cruz também reclama, mas apóia os oposicionistas. "Para quem ganha por dia, é muito ruim. É a quarta paralisação neste mês. Se saio na rua, furam os pneus. Mas é o que podemos fazer para garantir nossos recursos para nossos filhos", afirmou, na última corrida antes de começar a paralisação, às 10h.

O eixo da disputa
Cruz refere-se à disputa entre oposição e governo pela renda do gás, do qual Tarija concentra 60% da produção e possui nada menos do que 85% das reservas. Como os outros quatro governadores de oposição, o de Tarija se opôs à redução do repasse às regiões do IDH, um dos impostos sobre hidrocarbonetos, para financiar o pagamento de pensão a todos os maiores de 60 anos.
Os argumentos contra a medida de Morales são dois: o governo está levando pelo menos o dobro do que seria necessário para os idosos de Tarija e, principalmente, o que garante que La Paz não vai seguir cortando repasses de verbas no futuro? Os opositores tarijenhos também se opõem à nova Constituição, aprovada por constituintes governistas e pendente de referendos.
"É uma questão de princípios. Hoje é o IDH, amanhã são os royalties", diz a advogada Patricia Galarza, presidente interina do Comitê Cívico de Tarija, entidade que reúne a elite política e econômica do departamento e, como nas demais regiões, conduz as principais ações contra Morales.
"Basta de ser a carteira desta nação", diz o estudante de odontologia Ariel Ramírez, numa reação que não passa longe da discussão no Brasil sobre para onde vai a renda do pré-sal.
Ramírez participou ontem da invasão em Tarija do Escritório de Migrações do governo nacional. Já são dezenas de prédios ocupados no país. À Folha o porta-voz da Polícia Nacional, Jorge Daga, disse que as invasões são "mal menor" diante dos efeitos que uma confrontação poderia trazer.
Por quase uma hora, universitários e "cívicos" lançaram pedras e explosivos de baixo poder contra um impassível grupo de policiais, com seus escudos, na porta da repartição. Adiante, outro grupo de policiais observava. Armados com barras de ferro, eles venceram a guarda e entraram. Depois, atacaram o outro grupo, que aí lançou gás lacrimogêneo.
Do lado de fora, Jorge Chávez, líder "cívico", cabelo branco e barra de ferro na mão, comemorava: "Se precisar, vai ter sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo deste índio infeliz".


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