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Pesquisas mostram desencanto iraquiano
DA REDAÇÃO
Indagada em uma entrevista recente sobre como estavam as expectativas de seus amigos iraquianos após quase 30 meses do fim
oficial da guerra, a romancista
americana Jean Sasson, que fez do
Iraque cenário de seu livro mais
recente e mantém vínculo estreito
com sua população, respondeu
com uma palavra: "Sombrios".
"Eles acham que vão todos morrer", disse em tom consternado.
Pesquisas sustentam a afirmação da escritora. Segundo levantamento da ONG americana Instituto Nacional Republicano feito
em julho (o mais recente), mais
da metade dos iraquianos
(55,60%) acha que a situação de
segurança no país continuou
igual ou piorou. Três meses antes,
eles eram 32,40%. Não se trata de
dizer que o país esteja melhor ou
pior de modo geral. Comparações
a respeito do Iraque só devem ser
feitas ponto a ponto.
Um comentário de Sasson ilustra o porquê: "É ótimo que as pessoas possam agora manifestar sua
opinião livremente, mas é quase
como se dissessem que eles tinham uma péssima situação e
que agora eles têm uma péssima
situação. Não dá pra perguntar se
a pessoa prefere viver sob o medo
constante de ser presa e sua família destruída ou de sair de casa e
explodir com uma bomba".
Ainda que a segurança seja um
problema urgente -em setembro a violência registrou o pico de
90 ataques diários da insurgência-, ela não é a única preocupação dos iraquianos comuns. Nem
a maior: o levantamento do Instituto Internacional Republicano
aponta para a eletricidade.
A última atualização do Iraq Index (a compilação de dados sobre
o Iraque atualizada trimestralmente pelo centro de estudos
Brookings Institution, em Washington) mostra que há pouco
menos de 14 horas de fornecimento de luz por dia (em média,
pois há regiões menos abastecidas). Para 32,3%, esse é o problema com maior impacto sobre sua
vida diária. Desemprego e condições inadequadas de moradia ainda vêm à frente da segurança, citada por 5,9% dos entrevistados.
Expectativas em queda
Nem em produção de petróleo
ou treinamento das forças de segurança iraquianas, duas prioridades na agenda de Washington,
os EUA atingiram suas metas.
Em setembro, foram produzidos 2,1 milhões de barris diários
de petróleo. A meta americana
eram 2,5 milhões de barris diários, ou seja, restabelecer o nível
anterior à guerra (que por sua vez
já era restrito devido às limitações
impostas pelas sanções da ONU).
Desses, 1,4 milhão de barris é exportado por dia -em média, 700
mil a menos que antes da guerra.
Quanto aos soldados e policiais,
nos últimos meses o principal alvo de terroristas e insurgentes,
suas fileiras somam 192 mil; 80
mil a menos do que a meta dos
EUA para o atual momento (o
que estende a presença maciça de
suas tropas no país).
Além disso, apesar de o PIB ter
superado o de 2002 em US$ 11 bilhões -a estimativa para este ano
é de US$ 29,4 bilhões- o desemprego (40%) e a inflação (20% ao
ano) ainda permanecem altos.
Tal quadro, como é de se esperar, vem provocando uma reversão de expectativas. "Hoje tudo
que eles querem é segurança, eletricidade, infra-estrutura para trabalhar e não ser explodido ao sair
de casa", disse Sasson sobre seus
amigos da classe média bagdali.
"Quando tudo começou, as expectativas eram altas, mas não
realistas, todo mundo tinha aquela idéia de que os americanos fariam milagres -cheguei a ouvir
de um iraquiano que os EUA lhe
dariam uma casa nova", contou
Sasson. "Depois, ficou claro para
eles que eles não passariam do inferno ao paraíso do dia pra noite.
Antes de tudo, era preciso reparar
a infra-estrutura, depois de 12
anos de embargo e da guerra."
A liberdade de pensar e falar,
tão propalada pelo presidente
George W. Bush ao defender a invasão do Iraque em 2003, no entanto, melhorou. O país já conta,
também segundo números levantados pelo Iraq Index, com 29 canais comerciais de TV e 170 jornais e revistas independentes. Sob
Saddam, não havia um. Hoje, 147
mil iraquianos têm acesso à internet (excluídos os que a usam
eventualmente, em cibercafés);
antes da guerra, eram 4.500.
Vivendo num paradoxo, os iraquianos parecem confusos. Apesar de serem majoritariamente
contra a presença estrangeira no
país e verem sua vida pior em
muitos aspectos, mais gente
(48%) acha que o país vai na direção certa do que na errada
(38,9%, segundo dados de julho).
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