São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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Pesquisas mostram desencanto iraquiano

DA REDAÇÃO

Indagada em uma entrevista recente sobre como estavam as expectativas de seus amigos iraquianos após quase 30 meses do fim oficial da guerra, a romancista americana Jean Sasson, que fez do Iraque cenário de seu livro mais recente e mantém vínculo estreito com sua população, respondeu com uma palavra: "Sombrios". "Eles acham que vão todos morrer", disse em tom consternado.
Pesquisas sustentam a afirmação da escritora. Segundo levantamento da ONG americana Instituto Nacional Republicano feito em julho (o mais recente), mais da metade dos iraquianos (55,60%) acha que a situação de segurança no país continuou igual ou piorou. Três meses antes, eles eram 32,40%. Não se trata de dizer que o país esteja melhor ou pior de modo geral. Comparações a respeito do Iraque só devem ser feitas ponto a ponto.
Um comentário de Sasson ilustra o porquê: "É ótimo que as pessoas possam agora manifestar sua opinião livremente, mas é quase como se dissessem que eles tinham uma péssima situação e que agora eles têm uma péssima situação. Não dá pra perguntar se a pessoa prefere viver sob o medo constante de ser presa e sua família destruída ou de sair de casa e explodir com uma bomba".
Ainda que a segurança seja um problema urgente -em setembro a violência registrou o pico de 90 ataques diários da insurgência-, ela não é a única preocupação dos iraquianos comuns. Nem a maior: o levantamento do Instituto Internacional Republicano aponta para a eletricidade.
A última atualização do Iraq Index (a compilação de dados sobre o Iraque atualizada trimestralmente pelo centro de estudos Brookings Institution, em Washington) mostra que há pouco menos de 14 horas de fornecimento de luz por dia (em média, pois há regiões menos abastecidas). Para 32,3%, esse é o problema com maior impacto sobre sua vida diária. Desemprego e condições inadequadas de moradia ainda vêm à frente da segurança, citada por 5,9% dos entrevistados.

Expectativas em queda
Nem em produção de petróleo ou treinamento das forças de segurança iraquianas, duas prioridades na agenda de Washington, os EUA atingiram suas metas.
Em setembro, foram produzidos 2,1 milhões de barris diários de petróleo. A meta americana eram 2,5 milhões de barris diários, ou seja, restabelecer o nível anterior à guerra (que por sua vez já era restrito devido às limitações impostas pelas sanções da ONU). Desses, 1,4 milhão de barris é exportado por dia -em média, 700 mil a menos que antes da guerra.
Quanto aos soldados e policiais, nos últimos meses o principal alvo de terroristas e insurgentes, suas fileiras somam 192 mil; 80 mil a menos do que a meta dos EUA para o atual momento (o que estende a presença maciça de suas tropas no país).
Além disso, apesar de o PIB ter superado o de 2002 em US$ 11 bilhões -a estimativa para este ano é de US$ 29,4 bilhões- o desemprego (40%) e a inflação (20% ao ano) ainda permanecem altos.
Tal quadro, como é de se esperar, vem provocando uma reversão de expectativas. "Hoje tudo que eles querem é segurança, eletricidade, infra-estrutura para trabalhar e não ser explodido ao sair de casa", disse Sasson sobre seus amigos da classe média bagdali.
"Quando tudo começou, as expectativas eram altas, mas não realistas, todo mundo tinha aquela idéia de que os americanos fariam milagres -cheguei a ouvir de um iraquiano que os EUA lhe dariam uma casa nova", contou Sasson. "Depois, ficou claro para eles que eles não passariam do inferno ao paraíso do dia pra noite. Antes de tudo, era preciso reparar a infra-estrutura, depois de 12 anos de embargo e da guerra."
A liberdade de pensar e falar, tão propalada pelo presidente George W. Bush ao defender a invasão do Iraque em 2003, no entanto, melhorou. O país já conta, também segundo números levantados pelo Iraq Index, com 29 canais comerciais de TV e 170 jornais e revistas independentes. Sob Saddam, não havia um. Hoje, 147 mil iraquianos têm acesso à internet (excluídos os que a usam eventualmente, em cibercafés); antes da guerra, eram 4.500.
Vivendo num paradoxo, os iraquianos parecem confusos. Apesar de serem majoritariamente contra a presença estrangeira no país e verem sua vida pior em muitos aspectos, mais gente (48%) acha que o país vai na direção certa do que na errada (38,9%, segundo dados de julho).

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