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EUA
Mal-entendidos enfrentados pela subsecretária Karen Hughes no Oriente Médio mostram dificuldade de "vender" valores americanos
Diplomacia pública do governo Bush patina
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O discurso em tom messiânico
de quinta-feira de George W.
Bush, no qual comparou a Al
Qaeda com o comunismo, e a primeira viagem de Karen Hughes,
subsecretária de Estado para Diplomacia Pública, ao Oriente Médio, há dez dias, mostraram como
a diplomacia pública americana
está em descompasso com a realidade, já que a imagem global dos
EUA está bastante arranhada.
Hughes, ex-conselheira de Bush
nomeada em julho justamente
para melhorar a imagem internacional dos EUA -minada pelo
conflito no Iraque e por sua posição pró-Israel-, fez uma visita
cheia de mal-entendidos e enfrentou forte oposição de mulheres
sauditas ao tentar "vender" os valores americanos num encontro
numa universidade considerada
"liberal" para os padrões do país.
"A diplomacia pública [que tenta promover os interesses nacionais de um país por meio do entendimento de suas metas e de informações sobre suas políticas,
buscando influenciar audiências
estrangeiras] americana enfrenta
uma batalha árdua por conta dos
problemas que os EUA têm no
Iraque, dos abusos impostos a
presos em Guantánamo ou em
Abu Ghraib e do desequilíbrio no
tratamento da questão israelo-palestina", explicou à Folha Steven
Cook, especialista em comunicação política do Council on Foreign Relations (Washington).
"Como essas políticas americanas não deverão mudar a curto
prazo, Hughes deveria, portanto,
ter privilegiado no Oriente Médio
outros temas, como as reformas
democráticas e o aumento das liberdades, em vez de ter tentado
"vender" os valores americanos e
de ter-se apresentado como uma
mãe que trabalha e dá grande importância a seu direito de dirigir
um carro", acrescentou Cook.
Steven Livingston, o diretor da
Escola de Mídia e de Assuntos Públicos da Universidade George
Washington, concorda. "Teria sido mais interessante para Hughes
falar de temas que pudessem
atrair a atenção do mundo árabe,
como a abertura política e a liberdade de expressão. Também teria
sido positivo mostrar que os EUA
estão prontos para apoiar os que
defendem esses valores."
"Atualmente, o maior obstáculo
para a diplomacia pública dos
EUA é que suas políticas parecem
contradizer até mesmo esses valores de tempos em tempos. Assim,
a legitimidade e a credibilidade
que Hughes esperava que seu discurso tivesse foram gravemente
colocadas em xeque pelas audiência árabes, para as quais as imagens de Guantánamo ou de Abu
Ghraib ainda são fortes e o sangue
derramado no Iraque é sobretudo
árabe e muçulmano", completou.
Comportamento deletério
De acordo com Joseph Nye, um
dos papas do estudo das relações
internacionais e fundador de sua
escola neo-realista, é imprescindível que o governo Bush abrande
suas posições em relação à guerra
ao terror, ao Iraque e à questão israelo-palestina. "Precisamos de
aliados fortes. O modo unilateralista como a atual administração
se comporta na cena internacional já é deletério para seus interesses hoje e o será ainda mais a médio e longo prazos", apontou Nye.
"É, por conseguinte, vital alterar
profundamente a essência de certas políticas americanas e explicar
didaticamente essas mudanças.
Caso contrário, qualquer esforço
de diplomacia pública por parte
de Washington será fadada ao
fracasso. Afinal, quando alguém
sente uma dor, não adianta lhe dizer que essa dor não existe."
Para Kenneth Waltz, autor de
"Theory of International Politics"
(teoria da política internacional),
o tom messiânico de certos discursos de Bush dificulta ainda
mais os esforços para melhorar a
imagem dos EUA.
"Pessoas ao redor do mundo
acabam imaginando que ele acredite que tenha uma missão divina
ao combater o terror. Com isso,
muitos crêem que ele pense ser o
dono da verdade e que só os EUA
possam "salvar a humanidade".
Indubitavelmente, tal percepção
só faz alimentar a desconfiança
em relação aos EUA, que, nos últimos anos, invadiram unilateralmente o Iraque e provocaram o
conflito mais sangrento deste século", analisou Waltz.
Para Livingston, é, portanto,
crucial que a política dos EUA para o Iraque seja reformada rapidamente. "A verdade é que Bush deve ser o homem mais motivado
do mundo para encontrar um jeito de sair do Iraque, mas isso parece ser impossível por ora. Os
EUA ocuparam o país e não sabem o que farão para solucionar o
problema", indicou.
"Outra necessidade para melhorar a imagem dos EUA, sobretudo no mundo árabe, é uma mudança na política em relação a Israel e aos palestinos. Bush deve
parecer mais equilibrado em relação ao conflito, que fomenta o
ódio aos americanos há muito
tempo", afirmou Livingston.
Ademais, como frisou Cook, em
vez de "vender" seus valores, os
EUA devem concentrar-se nas reformas, tema que atrairá alas progressistas no mundo árabe. Todavia isso compelirá Washington a
distanciar-se de alguns de seus
aliados na região. "É óbvio que as
relações dos EUA com [Hosni]
Mubarak [ditador egípcio] também são importantes, pois ninguém gosta de viver sob um regime autoritário", disse Cook.
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