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ARGENTINA
Para Alejandro Horowicz, políticos não sabem lidar com excluídos
Peronismo absorve conflitos
e esvazia eleição, diz analista
MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES
A acirrada disputa pelas eleições
legislativas do final do mês na Argentina reflete a falta de projetos
da política do país, monopolizada
pelo peronismo. Na falta de
idéias, discutem-se nomes. A avaliação é de Alejandro Horowicz,
professor da Universidade de
Buenos Aires e autor do "Los
Cuatro Peronismos", respeitado
livro que analisa a trajetória histórica do peronismo, da centro-esquerda à direita.
O presidente, o peronista Néstor Kirchner, disputa mais poder
no Parlamento argentino com o
ex-presidente e seu padrinho político Eduardo Duhalde (2002-2003), do mesmo partido.
O escritor alerta que os excluídos não conseguiram encontrar
uma expressão política. "A qualquer momento, basta qualquer
mudança nas variáveis para que o
país volte a explodir." Acompanhe abaixo trechos da entrevista
concedida à Folha.
Folha - O presidente Kirchner
tem a pretensão de fundar uma nova linha dentro do peronismo?
Alejandro Horowicz - Em história
social as aspirações pessoais costumam ser questões secundárias.
Os movimentos políticos não se
fundam porque alguém que decide. O peronismo não foi uma decisão de Perón, mas sim da sociedade argentina e conseqüência de
um complexo número de situações. É certo que, quando há necessidade de acontecer, estão dadas as condições de possibilidade.
Mas não depende só de Kirchner
querer, é mais complicado que isso. O certo é que há condições de
necessidade. O sistema político
inaugurado em 1976 explodiu em
2001, e isso não foi simplesmente
resultado de o presidente anterior, Fernando De La Rúa [1999-2001], ter tomado algumas medidas inadequadas. As relações entre a sociedade e essas formas de
ação política estão desgastadas.
Vê-se uma classe dominante
que não tem programa para incluir os 17 milhões de expulsos do
sistema. Uma classe dominante
que não se propõe a incluir os excluídos não pode fazer outra coisa
que não reprimi-los, em última
instância. Como saber se há ou
não uma nova ordem política?
Basta que haja o processo de inclusão. O processo de inclusão requer uma nova ordem política.
Folha - Há espaço para que seja
implementada uma nova ordem
política na Argentina?
Horowicz - Há um espaço para
isso, como há um espaço para o
massacre. O que a sociedade argentina está discutindo em definitivo é se vai massacrar os 17 milhões de excluídos. Kirchner tem
uma possibilidade, e não depende
só dele. A sociedade argentina
tem uma chance, e não parece interessada em usá-la. Se não a usa,
vai produzir um massacre como
nunca se viu. Se você olha o século
20 e vê que a classe dominante
torna-se uma classe não dirigente,
pois não tem programa de inclusão, e que no pensamento político
esses problemas quase só aparecem no mapa, vê que há uma situação muito perigosa.
O extraordinário não é que haja
tanta atividade piqueteira, mas
sim que haja tão pouco em relação aos conflitos. É uma situação
cruzada por uma tensão muito
grande, que não consegue se traduzir em expressão política. A
qualquer momento, basta qualquer mudança nas variáveis para
que o país volte a explodir.
Folha - Hoje não há oposição política na Argentina?
Horowicz - Aqui tanto o oficialismo quanto a oposição precisam
de programa. Não é que haja um
caminho conservador e um caminho de transformações radicais.
Não há nenhum caminho. A oposição é formada por pequenos nomes que não significam muita
coisa. O que fica claro é que o Partido Justicialista absorve, por ser o
último elemento relativamente
vivo, os conflitos. A sociedade está o tempo todo parada na ponte
Pueyrredón [tradicional ponto de
bloqueio por parte dos piqueteiros]. Não adianta não deixar os
piqueteiros atuarem.
Folha - As eleições legislativas
podem ter um papel tão importante quanto afirma Kirchner?
Horowicz - Não. Para o presidente, essas eleições são muito importantes, pois ele teve o percentual de votos mais baixo com que
um presidente constitucional assumiu na Argentina. É um presidente que tem de mostrar que é
um presidente legítimo. Ao mesmo tempo, Kirchner não é um homem que tenha sido podado. Ele
pôde fazer tudo o que propôs.
Folha - Por que então se deu um
peso tão grande a essas eleições?
Horowicz - Há um vale-tudo.
Quando não se discutem programas e idéias, discutem-se nomes.
E a política se reduz a um conjunto de nomes. A discussão é se é ele,
Kirchner, ou Duhalde. E todos sabem que é ele, começando por
Duhalde. O que está em discussão
é quanto Duhalde conservará e
quanto perderá. Entretanto,
quando os deputados vão ao Congresso, não há duas bancadas. Na
hora da verdade, vão votar basicamente no mesmo, oposição e oficialismo atuam da mesma forma.
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