São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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ARGENTINA

Para Alejandro Horowicz, políticos não sabem lidar com excluídos
Peronismo absorve conflitos e esvazia eleição, diz analista

MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES

A acirrada disputa pelas eleições legislativas do final do mês na Argentina reflete a falta de projetos da política do país, monopolizada pelo peronismo. Na falta de idéias, discutem-se nomes. A avaliação é de Alejandro Horowicz, professor da Universidade de Buenos Aires e autor do "Los Cuatro Peronismos", respeitado livro que analisa a trajetória histórica do peronismo, da centro-esquerda à direita.
O presidente, o peronista Néstor Kirchner, disputa mais poder no Parlamento argentino com o ex-presidente e seu padrinho político Eduardo Duhalde (2002-2003), do mesmo partido.
O escritor alerta que os excluídos não conseguiram encontrar uma expressão política. "A qualquer momento, basta qualquer mudança nas variáveis para que o país volte a explodir." Acompanhe abaixo trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha - O presidente Kirchner tem a pretensão de fundar uma nova linha dentro do peronismo?
Alejandro Horowicz -
Em história social as aspirações pessoais costumam ser questões secundárias. Os movimentos políticos não se fundam porque alguém que decide. O peronismo não foi uma decisão de Perón, mas sim da sociedade argentina e conseqüência de um complexo número de situações. É certo que, quando há necessidade de acontecer, estão dadas as condições de possibilidade. Mas não depende só de Kirchner querer, é mais complicado que isso. O certo é que há condições de necessidade. O sistema político inaugurado em 1976 explodiu em 2001, e isso não foi simplesmente resultado de o presidente anterior, Fernando De La Rúa [1999-2001], ter tomado algumas medidas inadequadas. As relações entre a sociedade e essas formas de ação política estão desgastadas.
Vê-se uma classe dominante que não tem programa para incluir os 17 milhões de expulsos do sistema. Uma classe dominante que não se propõe a incluir os excluídos não pode fazer outra coisa que não reprimi-los, em última instância. Como saber se há ou não uma nova ordem política? Basta que haja o processo de inclusão. O processo de inclusão requer uma nova ordem política.

Folha - Há espaço para que seja implementada uma nova ordem política na Argentina?
Horowicz -
Há um espaço para isso, como há um espaço para o massacre. O que a sociedade argentina está discutindo em definitivo é se vai massacrar os 17 milhões de excluídos. Kirchner tem uma possibilidade, e não depende só dele. A sociedade argentina tem uma chance, e não parece interessada em usá-la. Se não a usa, vai produzir um massacre como nunca se viu. Se você olha o século 20 e vê que a classe dominante torna-se uma classe não dirigente, pois não tem programa de inclusão, e que no pensamento político esses problemas quase só aparecem no mapa, vê que há uma situação muito perigosa.
O extraordinário não é que haja tanta atividade piqueteira, mas sim que haja tão pouco em relação aos conflitos. É uma situação cruzada por uma tensão muito grande, que não consegue se traduzir em expressão política. A qualquer momento, basta qualquer mudança nas variáveis para que o país volte a explodir.

Folha - Hoje não há oposição política na Argentina?
Horowicz -
Aqui tanto o oficialismo quanto a oposição precisam de programa. Não é que haja um caminho conservador e um caminho de transformações radicais. Não há nenhum caminho. A oposição é formada por pequenos nomes que não significam muita coisa. O que fica claro é que o Partido Justicialista absorve, por ser o último elemento relativamente vivo, os conflitos. A sociedade está o tempo todo parada na ponte Pueyrredón [tradicional ponto de bloqueio por parte dos piqueteiros]. Não adianta não deixar os piqueteiros atuarem.

Folha - As eleições legislativas podem ter um papel tão importante quanto afirma Kirchner?
Horowicz -
Não. Para o presidente, essas eleições são muito importantes, pois ele teve o percentual de votos mais baixo com que um presidente constitucional assumiu na Argentina. É um presidente que tem de mostrar que é um presidente legítimo. Ao mesmo tempo, Kirchner não é um homem que tenha sido podado. Ele pôde fazer tudo o que propôs.

Folha - Por que então se deu um peso tão grande a essas eleições?
Horowicz -
Há um vale-tudo. Quando não se discutem programas e idéias, discutem-se nomes. E a política se reduz a um conjunto de nomes. A discussão é se é ele, Kirchner, ou Duhalde. E todos sabem que é ele, começando por Duhalde. O que está em discussão é quanto Duhalde conservará e quanto perderá. Entretanto, quando os deputados vão ao Congresso, não há duas bancadas. Na hora da verdade, vão votar basicamente no mesmo, oposição e oficialismo atuam da mesma forma.

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