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TERROR EM LONDRES
Visita causa choque cultural em pais do brasileiro
Pais de Jean enfrentam a dor e o novo em Londres
FÁBIO VICTOR
DE LONDRES
Em menos de duas semanas, a
visita da família de Jean Charles
de Menezes a Londres se transformou numa saga que, se não chega
aos pés da tragédia do brasileiro
assassinado por engano pela Scotland Yard, certamente a torna
ainda mais singular e comovente.
Moradores de Ribeirão do Jorge
dos Necas, povoado na zona rural
de Gonzaga (MG) com cerca de
500 habitantes, os pais de Jean
Charles, Maria Otone de Menezes, 60, e Matozinhos Otone da
Silva, 66, desembarcaram no dia
27 de setembro na maior metrópole européia, 7 milhões de habitantes, acompanhados do outro
filho, Geovani, da mulher dele,
Iranildes, e de três filhos do casal.
O propósito da visita, conforme
anunciado pela família e pelos advogados londrinos que a representam e que articularam a viagem, foi exigir justiça para Jean,
acompanhar as investigações e
ver a cidade onde ele vivia.
Mas o impacto parece ter sido
muito forte para o grupo. Dona
Maria, que é hipertensa, assim como o marido, e ainda toma calmantes por causa da perda do filho, sucumbiu a uma febre forte,
vômitos e mal-estar. Passou uma
noite num hospital londrino. Dois
dos filhos de Giovani também ficaram doentes e foram internados. A família diz que todos já receberam alta. Mas diz que, para
voltarem ao Brasil, todos terão
que voltar ao hospital para fazer
exames que atestem as condições
de suportar a viagem de volta.
Há o capítulo da comida. Matozinhos e Maria têm tido dificuldades com a dieta inglesa. Os parentes tentaram lhes seduzir com a
culinária chinesa -não gostaram. Acenaram com a indiana,
farta em Londres -rejeitaram,
alegando ser muito apimentada.
Agora, para alimentar o casal, filho e sobrinhos recorrem a restaurantes portugueses e brasileiros na região de Camden Town.
Eis um outro tópico da saga. Os
Menezes estão hospedados num
hotel de Camden Town. Trata-se
do reduto londrino dos hippies
tardios, dos punks tardios e de
um sem-número de tribos alternativas. Na rua principal do bairro, não se consegue andar 50 metros sem que traficantes miúdos
ofereçam maconha ou haxixe.
Seu Matozinhos, um ex-pedreiro que já viveu em São Paulo, tem
convivido pacificamente com os
punks que pululam no lugar, indiferente às brincadeiras dos sobrinhos, que costumam lhe provocar: "Olha o demônio, tio".
Mas as dificuldades com as comidas fizeram o velho lavrador
cunhar uma frase espirituosa,
diante do canal que corta Camden Town: "Vou plantar um feijoal aqui, não agüento mais ficar
sem comer feijão".
A família Menezes tem poucas
posses. A viagem da família foi
bancada pela polícia londrina,
mas só por uma semana. O restante será pago "por voluntários",
segundo a campanha Justice 4
Jean. Outra fonte de renda tem sido alguns tablóides londrinos,
que pagaram por entrevistas exclusivas desde a morte de Jean.
Nos eventos a que compareceram nos seus 12 dias em Londres,
o casal Maria e Matozinhos esteve
sempre elegante. Ele sempre de
terno, ela de tailleur ou com casacos bonitos. Antes de seguirem
para Londres, passaram num
shopping da Lapa, em São Paulo.
Por causa da saúde fragilizada
de dona Maria, o casal não foi aos
últimos compromissos institucionais. Ela, que desde o início
queria ir a Londres, e ele, que
sempre rejeitou a idéia, não vêem
a hora de voltar a Ribeirão do Jorge dos Necas.
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