São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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TERROR EM LONDRES

Visita causa choque cultural em pais do brasileiro

Pais de Jean enfrentam a dor e o novo em Londres

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

Em menos de duas semanas, a visita da família de Jean Charles de Menezes a Londres se transformou numa saga que, se não chega aos pés da tragédia do brasileiro assassinado por engano pela Scotland Yard, certamente a torna ainda mais singular e comovente.
Moradores de Ribeirão do Jorge dos Necas, povoado na zona rural de Gonzaga (MG) com cerca de 500 habitantes, os pais de Jean Charles, Maria Otone de Menezes, 60, e Matozinhos Otone da Silva, 66, desembarcaram no dia 27 de setembro na maior metrópole européia, 7 milhões de habitantes, acompanhados do outro filho, Geovani, da mulher dele, Iranildes, e de três filhos do casal.
O propósito da visita, conforme anunciado pela família e pelos advogados londrinos que a representam e que articularam a viagem, foi exigir justiça para Jean, acompanhar as investigações e ver a cidade onde ele vivia.
Mas o impacto parece ter sido muito forte para o grupo. Dona Maria, que é hipertensa, assim como o marido, e ainda toma calmantes por causa da perda do filho, sucumbiu a uma febre forte, vômitos e mal-estar. Passou uma noite num hospital londrino. Dois dos filhos de Giovani também ficaram doentes e foram internados. A família diz que todos já receberam alta. Mas diz que, para voltarem ao Brasil, todos terão que voltar ao hospital para fazer exames que atestem as condições de suportar a viagem de volta.
Há o capítulo da comida. Matozinhos e Maria têm tido dificuldades com a dieta inglesa. Os parentes tentaram lhes seduzir com a culinária chinesa -não gostaram. Acenaram com a indiana, farta em Londres -rejeitaram, alegando ser muito apimentada. Agora, para alimentar o casal, filho e sobrinhos recorrem a restaurantes portugueses e brasileiros na região de Camden Town.
Eis um outro tópico da saga. Os Menezes estão hospedados num hotel de Camden Town. Trata-se do reduto londrino dos hippies tardios, dos punks tardios e de um sem-número de tribos alternativas. Na rua principal do bairro, não se consegue andar 50 metros sem que traficantes miúdos ofereçam maconha ou haxixe.
Seu Matozinhos, um ex-pedreiro que já viveu em São Paulo, tem convivido pacificamente com os punks que pululam no lugar, indiferente às brincadeiras dos sobrinhos, que costumam lhe provocar: "Olha o demônio, tio".
Mas as dificuldades com as comidas fizeram o velho lavrador cunhar uma frase espirituosa, diante do canal que corta Camden Town: "Vou plantar um feijoal aqui, não agüento mais ficar sem comer feijão".
A família Menezes tem poucas posses. A viagem da família foi bancada pela polícia londrina, mas só por uma semana. O restante será pago "por voluntários", segundo a campanha Justice 4 Jean. Outra fonte de renda tem sido alguns tablóides londrinos, que pagaram por entrevistas exclusivas desde a morte de Jean.
Nos eventos a que compareceram nos seus 12 dias em Londres, o casal Maria e Matozinhos esteve sempre elegante. Ele sempre de terno, ela de tailleur ou com casacos bonitos. Antes de seguirem para Londres, passaram num shopping da Lapa, em São Paulo.
Por causa da saúde fragilizada de dona Maria, o casal não foi aos últimos compromissos institucionais. Ela, que desde o início queria ir a Londres, e ele, que sempre rejeitou a idéia, não vêem a hora de voltar a Ribeirão do Jorge dos Necas.

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