São Paulo, sexta-feira, 09 de outubro de 2009

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OEA deixa Tegucigalpa de mãos vazias

Missão de chanceleres de entidade afirma na partida que diálogo para resolver crise deve ser "exclusivamente hondurenho"

Inflexibilidade de governo Micheletti, que quis mostrar que Honduras "não é uma república de bananas", surpreendeu a delegação


Yuri Cortez/France Presse
Polícia e manifestantes pró-Zelaya se enfrentam em frente de hotel onde estava comitiva da OEA

ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A TEGUCIGALPA

A missão da OEA (Organização dos Estados Americanos) deixou Honduras ontem frustrando expectativas de um acordo que desse fim aos mais de cem dias de crise política e institucional no país.
Chanceleres e diplomatas de uma dezena de países das Américas foram a Tegucigalpa com um discurso uníssono em que pediam a restituição do presidente deposto Manuel Zelaya. Menos de 24 horas depois, foram embora entregando as negociações nas mãos dos hondurenhos. "Este será um diálogo exclusivamente hondurenho. Honduras é uma família dividida que precisa se reconciliar", disse Bruno Stagno, ministro das Relações Exteriores da Costa Rica, minutos antes de a delegação inteira seguir para o aeroporto. A OEA se comprometeu a deixar um grupo no país para dar "apoio logístico" às negociações.
Os representantes chegaram a Tegucigalpa na quarta-feira com um discurso que exigia a restituição da democracia do país -o que significava a volta de Zelaya à Presidência.
O comunicado sobre os resultados da missão lido na manhã de ontem aos jornalistas, que esperavam por uma coletiva de imprensa, mostrou um recuo nas reivindicações internacionais. Os chanceleres falaram em restauração das garantias constitucionais -em tese, a volta de Zelaya; na prática, qualquer solução hondurenha aprovada por Congresso e Suprema Corte-, liberdade de imprensa, com a reabertura dos meios de comunicação fechados, e um tratamento "digno" ao presidente deposto durante as negociações, com sua saída da embaixada brasileira.
A derrocada da mediação internacional se tornou clara no encontro entre os representantes da OEA e o presidente interino, Roberto Micheletti, na noite de anteontem. Os líderes ouviram, em uma reunião transmitida ao vivo pela TV local, reprimendas sobre o isolamento internacional de Honduras, que foi suspensa da OEA e teve ajuda financeira cortada.
O líder do governo golpista afirmou que deixaria o poder se Zelaya também abdicasse de uma volta ao cargo. Caso isso não ocorresse, afirmou que o país "sobreviveria" ao isolamento. Deu a entender, ainda, que pretende deixar o cargo apenas no dia 27 de janeiro, quando o novo presidente eleito assumir o cargo.
O secretário de Estado de Assuntos Exteriores do Canadá para as Américas, Peter Kent, reconheceu que a reação de Micheletti surpreendeu a OEA.
Kent, assim como outros representantes, afirmou que Zelaya já teria concordado em voltar à Presidência com poderes limitados, que o impediriam de tentar insistir na promoção de uma Assembleia Constituinte, iniciativa considerada ilegal por Congresso e Justiça hondurenhos e estopim para a deposição do presidente.
Pouco depois de os chanceleres deixarem o hotel onde leram a declaração final, cerca de 500 manifestantes fizeram um protesto contra o fraco resultado do encontro. "A OEA é um clube de turistas brancos e aposentados", afirmou raivoso Juan Barahona, da Frente Nacional de Resistência contra o golpe e negociador de Zelaya.
A polícia cercou os manifestantes, mas não usou gás para dispersá-los. A revogação do estado de sítio, apesar de anunciada na segunda, ainda não foi publicada no Diário Oficial.

Ofensiva
Desde o início da semana, o governo Micheletti vinha dando sinais de que poderia aceitar o retorno do presidente deposto, mas impunha como condições a Zelaya um gabinete pré-negociado e poder limitado.
O discurso inflexível mostrado à OEA, porém, seria uma demonstração de força do grupo de conselheiros de Micheletti que defendiam a radicalização das relações. Dois assessores ouvidos pela Folha sustentam que era preciso "demonstrar que Honduras não é uma república de bananas", que se curva à vontade internacional.
A visita de congressistas americanos conservadores, que incentivaram o governo interino a resistir às pressões pela volta de Zelaya, reforçou a impressão de que o golpe começava a ser entendido -e que poderia ser aceito internacionalmente como um movimento para conter o crescimento da influência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez.
Um terceiro fator a fortalecer Micheletti foi a bem-sucedida estratégia para enfraquecer a resistência. O fechamento de meios de comunicação pró-Zelaya ajudou a diluir o apoio popular ao presidente deposto.
Ontem, Zelaya insistiu no dia 15 como data-limite para que o diálogo dê resultado. "Nessa data, faremos as análises necessárias de acordo com os resultados da mesa de diálogo, que para mim não são otimistas nem positivos, pelo contrário. Mas nessa data anunciaremos qual será a nossa posição."


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