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ANÁLISE
Voz moderada da dissidência vai provocar questões oportunas
RAUL JUSTE LORES
EDITOR DE MERCADO
No monumental documentário "Os portões da Paz
Celestial", vemos Liu Xiaobo,
um professor de literatura
franzino, discursando com
alto-falante para pelo menos
500 mil pessoas.
Era maio de 1989 e protestos sacudiam as principais cidades chinesas contra a inflação, o desemprego e o Partido Comunista. A praça da
Paz Celestial, a maior do
mundo, estava repleta.
Ao contrário da retórica
agressiva dos estudantes que
aproveitaram a agitação social para pedir o fim da ditadura, Liu pedia moderação e
diálogo aos milhares que o
ouviam. Não foi atendido.
Mesmo após vinte anos de
sucessivas prisões, desemprego e ostracismo, Liu continuou sendo a voz moderada da dissidência chinesa.
Após o massacre que sepultou o movimento em
1989, vários líderes partiram
para o exílio. Outros esqueceram o passado e viraram empresários amigos da burocracia comunista. Liu continuou
a pedir democracia.
Ele foi o autor da Carta 08,
manifesto divulgado pela internet há quase dois anos,
em que pedia liberdade de
expressão e a permissão para
a criação de novos partidos.
Está preso desde então.
Como a China se tornou a
segunda economia do mundo - e tem potencial de crescimento sem paralelo no planeta -, nem os EUA ou a Europa ousam contrariá-la.
A pressão externa para
que o gigante asiático respeite os direitos humanos murchou nos últimos anos.
Liu é apenas a ponta do
iceberg. Anualmente, pelo
menos mil chineses são executados, após ritos sumários.
Quase a totalidade dos
processos criminais no país
não contam com advogado
de defesa. Até indefesas donas de casa que ousam protestar por despejos são presas e desaparecidas.
A China é o maior milagre
econômico recente, e seu povo e o Partido Comunista merecem muitos elogios pela
capacidade de trabalho e organização que tirou 400 milhões da pobreza.
Mas diversas liberdades
universais são negadas - e a
repressão apertou nos últimos anos, graças à tensão
provocada pela troca de comando do Politburo em 2012.
Ao pressionar a Noruega
para que não desse o Nobel a
Liu, a China acabou reforçando o nome do professor.
Mas a maior preocupação
dos líderes comunistas no
momento é, como sempre,
doméstica. Apesar do formidável controle da mídia chinesa e da censura em tempo
real da internet (onde Facebook, Twitter e YouTube são
bloqueados), Liu Xiaobo corre o risco de virar um nome
famoso, pelo menos na China urbana e plugada.
Como os mais jovens são
os que melhor sabem driblar
a censura oficial, é possível
que milhões comecem a se
perguntar quem é esse Liu
Xiaobo, o primeiro cidadão
100% chinês e morando no
país a ganhar o Nobel. E queiram saber porque ele está
preso, o que ele advogava -
e se essa situação é justa.
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