São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2010

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ANÁLISE

Voz moderada da dissidência vai provocar questões oportunas

RAUL JUSTE LORES
EDITOR DE MERCADO

No monumental documentário "Os portões da Paz Celestial", vemos Liu Xiaobo, um professor de literatura franzino, discursando com alto-falante para pelo menos 500 mil pessoas.
Era maio de 1989 e protestos sacudiam as principais cidades chinesas contra a inflação, o desemprego e o Partido Comunista. A praça da Paz Celestial, a maior do mundo, estava repleta.
Ao contrário da retórica agressiva dos estudantes que aproveitaram a agitação social para pedir o fim da ditadura, Liu pedia moderação e diálogo aos milhares que o ouviam. Não foi atendido.
Mesmo após vinte anos de sucessivas prisões, desemprego e ostracismo, Liu continuou sendo a voz moderada da dissidência chinesa.
Após o massacre que sepultou o movimento em 1989, vários líderes partiram para o exílio. Outros esqueceram o passado e viraram empresários amigos da burocracia comunista. Liu continuou a pedir democracia.
Ele foi o autor da Carta 08, manifesto divulgado pela internet há quase dois anos, em que pedia liberdade de expressão e a permissão para a criação de novos partidos. Está preso desde então.
Como a China se tornou a segunda economia do mundo - e tem potencial de crescimento sem paralelo no planeta -, nem os EUA ou a Europa ousam contrariá-la.
A pressão externa para que o gigante asiático respeite os direitos humanos murchou nos últimos anos.
Liu é apenas a ponta do iceberg. Anualmente, pelo menos mil chineses são executados, após ritos sumários.
Quase a totalidade dos processos criminais no país não contam com advogado de defesa. Até indefesas donas de casa que ousam protestar por despejos são presas e desaparecidas.
A China é o maior milagre econômico recente, e seu povo e o Partido Comunista merecem muitos elogios pela capacidade de trabalho e organização que tirou 400 milhões da pobreza.
Mas diversas liberdades universais são negadas - e a repressão apertou nos últimos anos, graças à tensão provocada pela troca de comando do Politburo em 2012.
Ao pressionar a Noruega para que não desse o Nobel a Liu, a China acabou reforçando o nome do professor.
Mas a maior preocupação dos líderes comunistas no momento é, como sempre, doméstica. Apesar do formidável controle da mídia chinesa e da censura em tempo real da internet (onde Facebook, Twitter e YouTube são bloqueados), Liu Xiaobo corre o risco de virar um nome famoso, pelo menos na China urbana e plugada.
Como os mais jovens são os que melhor sabem driblar a censura oficial, é possível que milhões comecem a se perguntar quem é esse Liu Xiaobo, o primeiro cidadão 100% chinês e morando no país a ganhar o Nobel. E queiram saber porque ele está preso, o que ele advogava - e se essa situação é justa.


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