São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2010

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O parto da montanha

Mais de 2.000 pessoas aguardam início do resgate de 33 mineiros, na semana que vem

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A COPIAPÓ (CHILE)

Bastou o governo chileno anunciar a iminência do resgate dos 33 homens que estão confinados a 700 metros de profundidade desde 5 de agosto (2 meses e quatro dias hoje), e mais de 1.000 jornalistas acorreram ao deserto de Atacama.
Objetivo: ver o "parto da montanha", como muitos se referem à saída dos homens da mina de cobre.
Somem-se aos jornalistas todo o pessoal técnico, eletricistas, marceneiros, seguranças, suporte. Facilmente o exército "invasor" no território da mina atinge 2.000 pessoas. (Isso sem contar operários, engenheiros, médicos e enfermeiros diretamente envolvidos nos trabalhos de resgate.)
Toda essa gente está concentrada em uma área que até bem pouco era equivalente à de 2,5 campos de futebol.
Agora, são 4,5 campos, graças a trabalhos de terraplenagem em um morro. O resultado é que se transformaram em figurantes as famílias que levantaram o "acampamento Esperanza" na porta da mina, como forma para pressionar as autoridades a se empenhar na localização dos mineiros então desaparecidos.
Os 33 ficaram 17 dias sem que se soubesse se estavam vivos ou mortos. Agora, os familiares submergiram em um caldo de câmeras, fios, microfones, gravadores, geradores.

20 MIL ENTREVISTAS
Lilian Ramirez, 51, mulher do mineiro Mario Gomez, 63, não esconde o cansaço da rotina de entrevistas ("já terão sido umas 20 mil"), mas não se nega a dar mais uma.
Ela está acampada há dois meses acompanhando os trabalhos. E só viu a população de jornalistas crescer.
"Agora, quando acordo, tomo o cuidado de abrir o zíper da barraca aos poucos. Porque sempre tem um jornalista esperando na porta com um gravador."
Lilian é uma celebridade. Foi o marido dela, Mario Gomez, o mais velho do grupo dos mineiros, o que redigiu o bilhete para a superfície: "Estamos bem no refúgio os 33".
A frase, escrita com um pincel atômico, foi a primeira prova de vida dos desaparecidos. Muitos já os tinham por mortos.
No acampamento, a grande expectativa da tarde de ontem era a chegada da primeira-dama chilena, Cecilia Morel, mulher do presidente Sebastián Piñera.
Ela iria praticar com os mineiros um intensivão de ginástica laboral, por meio de circuito de TV. Alegava-se que a iniciativa os ajudaria a ficar em forma para o resgate. No local, surgiu uma cidade em meio ao deserto empoeirado, cortado aqui e ali por dunas de areia finíssima.
Em vez das pequenas barracas que antes abrigavam as famílias dos mineiros (e onde algumas, como a de Lilian, continuam vivendo), agora há grandes estruturas geodésicas pré-moldadas de até seis metros de diâmetro. Fora os caminhões e contêineres das grandes redes de TV.
Na única rua do acampamento, um tipo frequente de veículo são os que transportam banheiros químicos. Já instalaram mais de cem.
No meio da tarde, uma caminhonete dessas foi impedida de seguir em frente. Assessores de Piñera não queriam que a primeira-dama surgisse nas imagens de TV com banheiro no fundo.

ZONA DE TRIAGEM
O governo chileno não pretende simplesmente resgatar os mineiros e levá-los para um hospital, a fim de tratá-los das micoses de pele e dos problemas dentários que desenvolveram.
Em vez disso, está levantando o que chama de "Zona de Descanso", uma estrutura com cinco salas para que os mineiros se encontrem com suas famílias. Há ainda sala de imprensa, aposento privado para o presidente, cozinha e banheiros. Tudo com ar-condicionado.
Ao lado, será instalada a "Zona de Triagem", com um ambulatório de primeiros socorros e uma policlínica, e mais banheiros e chuveiros.
De helicóptero, bastariam 15 minutos para levar os mineiros até o Hospital Regional San José del Carmen, de Copiapó, equipado com UTI e um andar inteiro reservado para atender aos resgatados.

Ouça relato da repórter
folha.com.br/mm811814


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