São Paulo, quarta-feira, 09 de novembro de 2005

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EUROPA

No 13º dia de confrontos no país, governo decide dar mais poderes à polícia e oficializa permissão para toque de recolher

França decreta emergência contra rebeldes

Michel Euler/Associated Press
O ministro do Interior francês, Nicolas Sarkozy, deixa o palácio da Presidência, em Paris, após reunião ministerial de emergência


FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

O governo francês decretou ontem estado de emergência. Na prática, ampliou os poderes da polícia no combate aos rebeldes que há 13 dias promovem violentos distúrbios no país e oficializou a permissão para que as cidades adotem o toque de recolher.
A medida foi divulgada após uma reunião do comitê de crise, comandada pelo presidente Jacques Chirac. O primeiro-ministro Dominique de Villepin fez o anúncio no Parlamento.
O decreto, que ressuscitou uma lei de 1955, promulgada durante a Guerra da Argélia, entraria em vigor à meia-noite de ontem.
Embora a última madrugada não tenha sido das mais violentas, indicando o que poderia ser um arrefecimento dos conflitos, pelo menos quatro cidades já adotaram o toque de recolher.
O que aparenta ser uma providência apaziguadora, pode, porém, ter um efeito bumerangue. Ao mesmo tempo em que a oposição ao governo Chirac criticou duramente o decreto, acusado de ser um paliativo demagógico e de despertar fantasmas que em outras épocas já atormentaram os pais dos jovens que hoje incendeiam o país, as "banlieues" (periferias) rugiram ainda mais alto.
"O toque de recolher não vai resolver nada, ele vai agravar muito mais a situação. Se a polícia quiser me obrigar a ficar em casa, eu vou reagir. Eles vão usar a força, e tudo vai ficar pior", afirmou à Folha Abdle Azize, 20, francês de origem paquistanesa morador de Clichy-sous-Bois, cidade da Grande Paris onde os distúrbios tiveram origem.
Ao lado dele, diante de um conjunto habitacional que parece um cortiço vertical, outro jovem, que se identifica como Kake e tem igualmente ascendência paquistanesa, completa. "As coisas parece que estão começando a se acalmar. Se fizerem um toque de recolher, vão pôr tudo a perder."
A medida esbarra também, na visão dos habitantes dos subúrbios, nas liberdades civis dos franceses. "Eu nunca obedeceria a um negócio desses. A polícia não pode me impedir de sair de casa. Ninguém aqui vai respeitar. A França, até onde eu sei, é um país livre", declarou o vigilante de um hotel em Clichy.
A nova lei tem validade de 12 dias. Depois disso, o Parlamento vai examinar a situação do país e votar uma eventual extensão.
O Ministério do Interior, chefiado por Nicolas Sarkozy, tido como o grande provocador dos distúrbios por definir os rebeldes como "escória", ganhou poderes suplementares com o decreto presidencial. A polícia que ele comanda poderá prender aqueles "cujas ações ameacem a segurança e a ordem pública", mas a lei não esclarece o que isso significa. Tem ainda o poder para fechar bares e locais de reuniões públicas.
Pesquisa do instituto Ifop divulgada ontem revelou que Sarkozy, até o início da crise o mais forte candidato a suceder Chirac, foi superado em popularidade por Villepin (48% a 52%).
Segundo a Polícia Nacional, a violência mostrou uma tendência de queda, com menos cidades registrando problemas na madrugada de ontem do que na da segunda-feira (226 contra 300). Apenas quatro policiais ficaram feridos -foram 36 na noite anterior. Mesmo assim, 1.173 veículos foram queimados, e 330 pessoas foram presas. Os subúrbios de Paris estiveram mais calmos, em contraste com o interior. Os distúrbios mais graves foram em Toulouse, Lille, Lyon e Marselha.
Entidades de direitos humanos têm criticado os julgamentos-relâmpago promovidos pela Justiça do país, nos quais cerca de cem pessoas já foram condenadas.
Na ocasião em que anunciou o decreto, Villepin também lançou um pacote para melhorar a educação nas regiões onde os conflitos estouraram. A partir de 2006, serão criados 100 mil postos de assistentes pedagógicos nas periferias das cidades francesas. O governo vai destinar 100 milhões para as associações de ensino e formação profissional que trabalham nos subúrbios.

Com agências internacionais

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