São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2006

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ELEIÇÕES NOS EUA / PRIMEIRA BAIXA

Ex-diretor da CIA toma lugar de Rumsfeld

Homem forte de Bush e artífice da Guerra do Iraque, ex-secretário da Defesa é primeira vítima da derrota republicana

Robert Gates, o substituto, é considerado uma voz "não-ideológica", mas esteve envolvido no Escândalo Irã-Contras no governo Reagan

DE WASHINGTON

Era a crônica da morte anunciada. Se os republicanos saíssem derrotados nas eleições de anteontem, a primeira vítima seria o polêmico secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, há seis anos no cargo e principal artífice de uma Guerra do Iraque que se mostra cada vez mais fora de controle e que foi apontada por seis em dez eleitores, em pesquisas de boca-de-urna realizadas anteontem, como um dos motivos de preocupação nesse pleito legislativo.
Era o que pedia manifesto publicado pelo principal jornal das Forças Armadas, "The Army Times", na sexta-feira. Era o que pedia a "intelligentsia neoconservadora". Era o que exigia o segundo editorial do jornal "The New York Times" de ontem.
Foi o que pediram os eleitores, ao citar a Guerra do Iraque como uma das principais preocupações nas pesquisas. E foi também o que pediu a deputada democrata Nancy Pelosi, provável futura presidente da Câmara, horas antes da renúncia de Rumsfeld: "Deve haver um sinal de mudança vindo do presidente", disse. "E o melhor lugar pelo qual começar (...) é a liderança civil do Pentágono."
"Tive uma série de conversas profundas com ele e concordamos que o momento era o adequado para uma nova liderança no Pentágono", disse Bush. Elogiou o ex-secretário ("líder brilhante num tempo de mudanças"), mas disse que o demitido concordava com o "valor de um novo ponto de vista".
Sob Rumsfeld, o Pentágono viu quase 3.000 soldados serem mortos numa guerra que começou a dar errado a partir da queda de Saddam Hussein, com a falta de planejamento do pós-ocupação, e que acabaria, três anos depois, na atual guerra civil entre grupos iraquianos, corrupção nas obras de reconstrução e escalada de violência.
Polêmico, o secretário entrou para o noticiário ao soltar frases como "stuff happens" ("Coisas acontecem", trocadilho com "shit happens", ditado em inglês) ao ser criticado pela condução da guerra, e "Você vai à guerra com o Exército que tem, não com o que quer", questionado sobre a falta de equipamentos para soldados.
Entrou em rota de colisão também com as altas patentes que comandava ao forçar uma reforma no sistema militar, que ele achava inchado e burocrático. Pela Doutrina Rumsfeld, o Exército deveria ser mais ágil e bem equipado. Com isso, alienou as fardas.
Na semana passada, nas dezenas de comícios a que foi, Bush reafirmava que Rumsfeld, 74, continuaria no cargo em que está desde seu primeiro mandato e que ocupou na gestão de Gerald Ford (1974-1977).
Em reunião com seu assessor político e estrategista-chefe, Karl Rove, na noite de terça, porém, quando estava claro que pelo menos a Câmara estava perdida, Bush foi persuadido a rever sua decisão. O presidente estava cada vez mais isolado. Mas via a continuidade do secretário como um ponto de honra, um meio de não passar recibo aos críticos da guerra. Não mais.

Irã-Contras
Em seu lugar, entra Robert Gates, 66, diretor da CIA de 1991 a 1993 e ex-membro do Conselho de Segurança Nacional. Gates vem de ser reitor da Texas A&M University e é do círculo íntimo da família Bush. Serviu como diretor da agência de inteligência no mandato de Bush sênior e, funcionário de carreira, esteve na CIA por 26 anos. Envolveu-se no Escândalo Irã-Contras durante o governo Reagan (1981-1989), quando a Casa Branca vendeu ilegalmente armas para o Irã a fim de financiar a guerrilha anti-sandinista na Nicarágua.
Gates é especialista em Guerra Fria. Ainda assim, é considerado uma voz não-ideológica que fará a ponte entre os militares e a comunidade de inteligência e entre a Casa Branca e o Congresso. Também abrirá mão de outro cargo ao ser confirmado como 22º secretário da Defesa dos EUA pelo Senado: o de presidente da Associação Nacional dos Escoteiros Mirins. Se Bush queria passar um recado aos eleitores insatisfeitos, não poderia ter sido mais direto.
(SÉRGIO DÁVILA)


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