São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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QUEDA DO MURO: 20 ANOS DEPOIS

Mundo se apropria de celebração em Berlim

Derrubada do muro completa duas décadas hoje; na Alemanha, dor provocada pela divisão dificulta esforço por memória

Com o interesse externo superando o interno, verba para ampliar memorial vem da União Europeia, e visitas de estrangeiros crescem

Axel Schmidt/France Presse
Turistas observam peças em formato de dominó colocadas em frente ao Portão de Brandenburgo, onde existia o Muro de Berlim

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A BERLIM

A festa que os alemães celebram hoje em sua capital reunificada é muito mais para olhos e ouvidos estrangeiros do que para os seus próprios. Afinal, o muro sempre extrapolou Berlim e cristalizou a divisão do mundo na Guerra Fria.
Talvez um pouco por isso seus pedaços tenham se espalhado pelo planeta nestes 20 anos- o mundo se apropriou da parede que um dia dividiu a cidade que, em dias de não efeméride, prefere esquecê-lo.
"A maioria dos segmentos do muro desapareceu. Em 1989, as pessoas só queriam se livrar dele. Era doloroso, os berlineses sofreram tanto que tudo que eles queriam era não ter de ver mais aquilo", diz o historiador Axel Klausmeier, do Centro de Documentação sobre o Muro de Berlim. "Foi só uns dez anos depois que surgiu essa consciência de que quase tudo havia sido destruído, e eles tinham que preservar algo."
O centro que Klausmeier dirige foi criado há apenas um ano. Fica na Bernauerstrasse, um dos locais onde era mais absurda a divisão da cidade, que só tomou a forma de um muro de concreto a partir de 1961.
"Há trechos em que os prédios estavam do lado oriental e a calçada, do ocidental", diz o historiador, mostrando fotos de gente pulando das janelas para ficar "do outro lado" horas antes de a parede ser erguida.
Do prédio, ele aponta o local onde ficava uma igreja deixada na terra de ninguém entre as duas paredes (o muro na verdade eram dois, e entre eles soldados da Alemanha Oriental patrulhavam eventuais fugas). Walter Ulbricht -sob cujo governo a parede foi erigida apenas dois meses após ele proclamar que "ninguém estava pensando em construir um muro"-mandou destrui-la.
Também foi na Bernauerstrasse que Konrad Schumann, soldado alemão oriental, fugiu para o Oeste saltando o arame farpado que Ulbricht mandara instalar antes de a construção de fato começar, nas ruas e estações de trem e metrô, da noite para o dia. A foto é icônica.
São memórias como essas que estão se perdendo, assim como se foram os pedaços do muro para praças e colecionadores pelo mundo -na rua fatídica, há um trecho ainda de 220 metros. Outros, o maior deles com pouco mais de 1 km, estão espalhados pela cidade.
Klausmeier acha que a atitude tem mudado nos últimos dez anos, mas admite que o interesse vem muito mais de fora. Os 37 milhões para ampliar o memorial são da UE.
"A geração que está crescendo não tem quase conhecimento sobre a Alemanha Oriental, não sabe sobre a polícia secreta, os nomes dos principais políticos. Mas, ao mesmo tempo, temos recebido cada vez mais visitantes, do resto da Alemanha e sobretudo estrangeiros."
A percepção não é só dele e não se restringe ao muro. A tendência a apagar símbolos e prédios que lembrem o regime anterior se perpetua desde os tempos dos kaiseres por todos os governos posteriores.


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