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Cristina assume com desafio ao gênero
Primeira mulher eleita para governar a Argentina, ela deve ir além das sombras de Isabelita Perón (1974-1976) e do marido
Analistas divergem sobre se sexo pesará na avaliação do governo; para especialista em pesquisas, o que valerá, como sempre, é a economia
RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES
Respaldada por mais de oito
milhões de votos, Cristina Fernández de Kirchner assume
amanhã como a primeira mulher escolhida nas urnas para
governar a Argentina, sabendo
que, daqui a quatro anos, quando terminar seu governo, não
só ela será julgada, mas também a capacidade das mulheres
de governarem o país.
"Me sinto com uma dupla
responsabilidade, não só como
membro de um espaço político
que hoje conduz os destinos do
país. Sei que também tenho
uma imensa responsabilidade
pelo gênero", disse ao encerrar
o primeiro discurso que fez como presidente eleita.
A missão tem seus obstáculos. O primeiro, o precedente
da outra mulher a governar a
Argentina, Isabelita Perón, cujo governo (1974-1976) é considerado um desastre e que acabou levando à instauração da
última ditadura militar no país.
O outro é que Cristina encarna aquele que, segundo uma
pesquisa do Centro de Opinião
Pública da Universidade de
Belgrano, é o tema em função
do qual as mulheres na política
sofrem mais preconceito.
Para 53% dos entrevistados,
o maior problema das mulheres é a falta de autonomia. Cristina chega com uma autonomia
limitada pela figura de seu marido, Néstor Kirchner, que deixa o governo com uma aprovação superior a 50%.
"Junto com Cristina, se votou em seu marido. É um caso
muito diferente do de Michelle
Bachelet", diz a ensaísta Beatriz Sarlo, em referência à presidente do Chile.
Beatriz Kohen, da Associação de Direitos Civis, afirma
que a vitória de Cristina é importante para as mulheres por
seu valor simbólico, mas faz
uma ressalva parecida.
"Não devemos esquecer que
foi uma mulher escolhida candidata por seu marido. Isso não
impede que ela faça diferença
para as mulheres, mas, para as
argentinas, sua eleição não tem
a mesma importância do que se
tivesse sido eleita Elisa Carrió,
que tem uma trajetória política
independente."
Exploração
O diretor do Centro de Opinião Pública da Universidade
de Belgrano, Orlando D'Adamo, aponta que supostos tropeços de Cristina podem ser explorados por setores reticentes
às mulheres no poder. "Se Cristina fizer um mau governo,
aqueles que promovem as desigualdades se aproveitariam
desse fato para estender as críticas a outras mulheres. Ainda
mais porque a experiência anterior de uma mulher no governo argentino foi muito ruim."
Ele ressalva, porém, que o
que pesará na hora da avaliação
popular do governo Cristina
não é o gênero da presidente,
mas como ela cuidará da economia. "O que incide na avaliação de um governante é como
ele conduz a situação econômica. Se a economia for bem, ninguém vai se questionar se o presidente é homem ou mulher."
Beatriz Sarlo contesta a tese
de que o desempenho de Cristina possa afetar o julgamento de
outras mulheres. Ela cita o caso
da ex-ministra de Carlos Menem María Julia Alsogaray,
condenada por corrupção. "A
primeira ministra mulher é a
única na Argentina que foi julgada por corrupção. Isso não
impediu que outras mulheres
chegassem a ministras", diz.
Kohen discorda: "Se Cristina
não for bem no governo, os
efeitos serão negativos para as
mulheres. Vivemos em uma sociedade que segue sendo patriarcal. A autoridade não se associa às mulheres da mesma
maneira que aos homens, é
quase um paradoxo uma mulher com autoridade."
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