São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2007

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Cristina assume com desafio ao gênero

Primeira mulher eleita para governar a Argentina, ela deve ir além das sombras de Isabelita Perón (1974-1976) e do marido

Analistas divergem sobre se sexo pesará na avaliação do governo; para especialista em pesquisas, o que valerá, como sempre, é a economia

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

Respaldada por mais de oito milhões de votos, Cristina Fernández de Kirchner assume amanhã como a primeira mulher escolhida nas urnas para governar a Argentina, sabendo que, daqui a quatro anos, quando terminar seu governo, não só ela será julgada, mas também a capacidade das mulheres de governarem o país.
"Me sinto com uma dupla responsabilidade, não só como membro de um espaço político que hoje conduz os destinos do país. Sei que também tenho uma imensa responsabilidade pelo gênero", disse ao encerrar o primeiro discurso que fez como presidente eleita.
A missão tem seus obstáculos. O primeiro, o precedente da outra mulher a governar a Argentina, Isabelita Perón, cujo governo (1974-1976) é considerado um desastre e que acabou levando à instauração da última ditadura militar no país.
O outro é que Cristina encarna aquele que, segundo uma pesquisa do Centro de Opinião Pública da Universidade de Belgrano, é o tema em função do qual as mulheres na política sofrem mais preconceito.
Para 53% dos entrevistados, o maior problema das mulheres é a falta de autonomia. Cristina chega com uma autonomia limitada pela figura de seu marido, Néstor Kirchner, que deixa o governo com uma aprovação superior a 50%.
"Junto com Cristina, se votou em seu marido. É um caso muito diferente do de Michelle Bachelet", diz a ensaísta Beatriz Sarlo, em referência à presidente do Chile.
Beatriz Kohen, da Associação de Direitos Civis, afirma que a vitória de Cristina é importante para as mulheres por seu valor simbólico, mas faz uma ressalva parecida.
"Não devemos esquecer que foi uma mulher escolhida candidata por seu marido. Isso não impede que ela faça diferença para as mulheres, mas, para as argentinas, sua eleição não tem a mesma importância do que se tivesse sido eleita Elisa Carrió, que tem uma trajetória política independente."

Exploração
O diretor do Centro de Opinião Pública da Universidade de Belgrano, Orlando D'Adamo, aponta que supostos tropeços de Cristina podem ser explorados por setores reticentes às mulheres no poder. "Se Cristina fizer um mau governo, aqueles que promovem as desigualdades se aproveitariam desse fato para estender as críticas a outras mulheres. Ainda mais porque a experiência anterior de uma mulher no governo argentino foi muito ruim."
Ele ressalva, porém, que o que pesará na hora da avaliação popular do governo Cristina não é o gênero da presidente, mas como ela cuidará da economia. "O que incide na avaliação de um governante é como ele conduz a situação econômica. Se a economia for bem, ninguém vai se questionar se o presidente é homem ou mulher."
Beatriz Sarlo contesta a tese de que o desempenho de Cristina possa afetar o julgamento de outras mulheres. Ela cita o caso da ex-ministra de Carlos Menem María Julia Alsogaray, condenada por corrupção. "A primeira ministra mulher é a única na Argentina que foi julgada por corrupção. Isso não impediu que outras mulheres chegassem a ministras", diz.
Kohen discorda: "Se Cristina não for bem no governo, os efeitos serão negativos para as mulheres. Vivemos em uma sociedade que segue sendo patriarcal. A autoridade não se associa às mulheres da mesma maneira que aos homens, é quase um paradoxo uma mulher com autoridade."

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