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Conflito indígena agita campanha chilena
Aumento da tensão fundiária envolvendo os mapuches, a maior etnia do país, evidencia problemas na política oficial
Programas de compra direta de terras para índios são questionados; opositor fala em "recuperar autoridade" em região conflituosa do país
THIAGO GUIMARÃES
DA REPORTAGEM LOCAL
A intensificação do conflito
indígena na região de Araucanía, no centro-sul do Chile, se
converteu em tema da campanha presidencial no país, expondo as limitações da política
indígena da Concertação, a coalizão de centro-esquerda que
governa o país há 20 anos.
O conflito por terras envolve
os mapuches, a principal etnia
indígena chilena, que soma 600
mil pessoas (3,5% da população). Opõe indígenas a grandes
agricultores e empresas de exploração mineral e florestal na
região de Araucanía, a mais pobre do país, que concentra os
mapuches da área rural.
O problema costuma aumentar em anos eleitorais e de crise
econômica, como 2009. De janeiro até o fim de julho houve
37 atos de violência de grupos
indígenas locais, como tomada
de terrenos e incêndios, ante 23
no mesmo período de 2008.
Em agosto, a tensão cresceu
após a morte de um mapuche
pela polícia em reintegração de
posse. A agitação se somou à
ameaça do governo da esquerdista moderada Michelle Bachelet de usar a lei antiterror da
ditadura contra quatro mapuches acusados de vandalismo.
A disputa envolve direitos sobrepostos e remete à constituição da propriedade privada na
região, há 120 anos. Agricultores se instalaram e adquiriram
direitos sobre terras que, em
muitos casos, eram áreas indígenas com direitos constituídos pela Coroa espanhola.
Sob lei aprovada em 1993, na
esteira da redemocratização
chilena, o Estado passou a restituir terras aos mapuches. Segundo o governo, houve entrega de 6.500 km2 desde então -o
equivalente a 4,3 cidades de
São Paulo-, dos quais 23% foram comprados.
Críticas
A lei de 1993 prevê dois mecanismos de entrega de terras
aos índios: por aquisição direta
ou via concessão de subsídios.
A compra direta foi prevista
apenas para casos de conflitos
jurídicos, mas se tornou o coração da política indígena da
Concertação -e também seu
principal alvo de críticas.
"O conflito cresce com o aumento da compra direta. Muitas pessoas viram que quem recorria à violência era beneficiado", disse à Folha Olivia Igor,
do "think tank" Libertad y Desarrollo, ligado à oposição.
Um exemplo dessa tendência, segundo Igor, é a vila de Temucuicui, uma comunidade radical de 170 famílias que desde
1998 obteve do governo área
equivalente a 17 parques do
Ibirapuera, em São Paulo. Apesar da restituição, a agricultura
não floresceu, e a violência
continua -o que enseja ainda
críticas de falta de investimento em capacitação rural.
Outro grupo radical a ocupar
o noticiário é a CAM (Coordenadora Arauco Malleco). Criada em 1997, intensificou suas
ações neste ano, sendo acusada
pelo Ministério Público de extorquir empresários, operar
um mercado paralelo de madeira roubada e ter ligações
com as Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia).
Campanha
A falência do modelo estatal
é reconhecida até pelo candidato governista à Presidência, o
ex-presidente Eduardo Frei
(1994-1999). Em visita à região,
Frei disse que a solução do conflito "não se reduz à compra de
terras" e propôs investir em
educação e em infraestrutura.
No debate presidencial do último dia 16, Frei foi questionado por ainda não ter visitado
Araucanía na campanha -o
que fez dias depois. Seu principal rival e líder nas pesquisas, o
empresário de centro-direita
Sebastián Piñera, diz que seu
plano, também focado em capacitação, é mais amplo e defende a recuperação do "princípio da autoridade" na região.
Para o mapuche Manuel Calfiu, 27, da organização Meli Wixan Mapu, as propostas dos
candidatos são "mais do mesmo" e não apontam para a solução do conflito.
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