São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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ARTIGO

Conflito é um beco com saída para a paz

MOISÉS RABINOVIC
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pelas incontáveis ruas de Gaza chamadas Al Awda, O Retorno, palestinos esperam um dia saudar o retorno de parentes, amigos e milhares de refugiados dispersos pelo mundo. Por elas também sonham em retornar às casas e terras onde moravam antes da criação de Israel, há 60 anos. Mão única para um beco político até agora sem saída, estão congestionadas por miragens entre dunas de areia e lixo à beira do Mediterrâneo. Pois pelas ruas Al Awda, que dão num bloco de ruas Palestina, no favelão de Jabaliya, os únicos "alaedum", os retornados, são os soldados israelenses, mais uma vez, desde o sábado.
Gaza, Tesouro em árabe, é Aza, Forte em hebraico. Aqui morreu Sansão, ao derrubar as colunas do templo sobre cinco governadores e cerca de 3.000 filisteus que se divertiam ao vê-lo cego, traído por Dalila. E aqui teria nascido Iasser Arafat, que dizia ser de Jerusalém, para a qual reivindicava O Retorno, um atalho Al Awda, via negociações de paz.
Desde os tempos bíblicos, Israel sempre soube entrar em Gaza, embora perdendo-se muito na hora de sair. O retorno de agora está sendo anunciado como o mais breve possível, uma devastadora visita inesperada para liquidar o Hamas, sigla do Movimento de Resistência Islâmica que significa Fervor, em árabe, e acabar com os mísseis disparados contra as cidades israelenses do deserto do Negev, mas que já flertam com Tel Aviv.
Foi Israel quem cultivou o fervor do Hamas. Queria abrir um caminho alternativo à OLP, então contrária a qualquer iniciativa de paz. O Hamas não perdeu a chance: famoso por incorruptível, algo inédito nas hostes de Arafat, e dedicado a obras sociais, com líderes religiosos xiitas ligados ao Irã e ao Hizbollah libanês, conquistou o 1,5 milhão de palestinos em Gaza, o voto que o conduziu ao poder, democraticamente, e então expulsou o Fatah para a Cisjordânia.
Treinou e armou um exército, contrabandeou mísseis cavando túneis na fronteira com o Egito, e começou a atirá-los a conta-gotas e sem mira contra civis israelenses. E à provocação, ainda acrescentou um desafio: não quis renovar a trégua de seis meses esgotada em novembro, acusando Israel de violá-la antes com um bloqueio e isolamento.
Talvez o Hamas tenha julgado Israel impotente para reagir aos mísseis, à véspera de eleições gerais, em fevereiro, o primeiro-ministro caindo por corrupção, e enquanto o presidente eleito Obama não assume a Casa Branca. E contava que os israelenses ainda estivessem traumatizados pela última guerra no Líbano, em 2006.

Dissuasão
Cálculos errados, se assim realmente foram feitos. Para restaurar seu poder de dissuasão contestado, Israel não poupou bombas. Foi a Gaza como aos países árabes vizinhos na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Ataques aéreos arrasadores. Depois mandou seus tanques e a infantaria.
O momento eleitoral israelense foi esvaziado porque, em guerra, os eleitores são soldados, e os políticos, unidos pela sobrevivência nacional. O que não quer dizer que o ministro da Defesa, Ehud Barak, se vitorioso, não ganhe algumas cadeiras a mais no Parlamento. Para a nova Casa Branca, será um teste capaz de antecipar a nova estratégia americana para o Oriente Médio.
A rua árabe não confraterniza com o Hamas. Os países moderados sunitas bloquearam os apelos de convocação da Liga Árabe. Ruas de Europa e Ásia foram tomadas por protestos contra a violência da reação israelense, considerada desproporcional -dois olhos por um olho. Israel pode estar perdendo sua guerra de autodefesa na mídia, mas, se sair rápido e vitorioso de Gaza, terá afastado o maior obstáculo atual para um acordo de paz com os palestinos, sob a liderança do Fatah. E os moradores das ruas Al Awda e Palestina ganharão uma saída para um novo país.

MOISÉS RABINOVICI foi correspondente em Israel por oito anos


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