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Al Qaeda é como McDonald's, diz analista
Para Olivier Roy, rede terrorista funciona como multinacional na qual comando é descentralizado por meio de franquias
Francês questiona novas medidas de segurança em aeroportos e alerta para aumento de ocidentais nas fileiras extremistas do islã
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Hoje fincada nos confins do
Iêmen, a rede terrorista Al Qaeda funciona como uma multinacional cosmopolita na qual
os integrantes têm ampla autonomia para executar as ordens
da cúpula, ainda comandada
pelos fundadores Osama bin
Laden e Ayman Al Zawahiri.
A avaliação é do cientista político e filósofo francês Olivier
Roy, especialista em terrorismo islâmico e professor no Instituto Universitário Europeu
de Florença (Itália).
Roy disse à Folha, em entrevista por telefone, que as novas
regras de segurança nos aeroportos só servem para acalmar
a população.
FOLHA - Quem são as pessoas que
integram a Al Qaeda no Iêmen?
OLIVIER ROY - As mesmas que
estiveram no Paquistão, na Somália, na Bósnia etc. São pessoas de origem variada. Há ocidentais, africanos, argelinos.
Eles não querem criar um Estado islâmico no Iêmen nem estão lá por causa da política iemenita. Estão lá porque acharam apoio local e um santuário
para preparar seus planos.
FOLHA - As potências ocidentais
podem ser consideradas culpadas,
por não terem previsto que o Iêmen
se tornaria um santuário terrorista?
ROY - Sofremos a herança dos
anos Bush, nos quais a "guerra
ao terror" era vista em termos
territoriais. O Afeganistão e o
Iraque foram invadidos, mas é
um erro pensar o problema em
termos de controle de território, pois trata-se de organizações não territoriais. O que funciona é a coleta de informações
de inteligência. No caso do nigeriano, as autoridades tinham
a informação, o problema foi o
tratamento dos dados.
FOLHA - A Al Qaeda é uma organização com comando centralizado
ou o nome é um carimbo adotado
por vários grupos pelo mundo?
ROY - As duas coisas. A Al Qaeda é uma empresa moderna na
qual há um núcleo de liderança
e uma grande flexibilidade descentralizada na execução. A
maioria dos terroristas tem
vínculos, mesmo que só pela internet, com o centro de comando. A rede se parece mais com
um sistema de franquia, uma
espécie de McDonald's.
A Al Qaeda hoje tem menos
capacidade de cometer grandes
atentados. Por isso ela aposta
em ações individuais.
FOLHA - Bin Laden e Al Zawahiri
ainda estão no comando? Por que
eles não foram capturados?
ROY - Parece que ainda estão
no comando, sim. Eles não foram pegos porque atuam com
maestria em dois níveis: o ultramodernismo das novas tecnologias e o tribalismo arcaico,
no qual as relações interpessoais são muito importantes.
Enquanto Saddam Hussein foi
vendido rapidamente, nas
áreas tribais pashtuns não se
tem o hábito de dedurar, nem
mediante pagamento. É provável que ainda estejam na fronteira Paquistão-Afeganistão.
FOLHA - As medidas de segurança
que estão sendo tomadas em aeroportos do Ocidente são eficientes?
ROY - Duvido. Essas medidas
servem principalmente para
satisfazer a opinião pública.
Trata-se de gesticulação mais
do que política concreta. E aí há
uma contradição. Por um lado,
a opinião pública quer mais segurança, do outro, ela quer
mais facilidades para viajar.
FOLHA - O terrorismo islâmico é
um produto da má integração dos
muçulmanos no Ocidente?
ROY - Não. Os membros da Al
Qaeda estão plenamente integrados às sociedades onde vivem. São pessoas que têm diplomas, empregos razoáveis. E
ao menos 20% dos integrantes
da Al Qaeda são ocidentais convertidos. Precisamos abrir os
olhos para esse fenômeno maciço. Um americano branco da
Carolina do Norte chamado
Daniel Patrick Boyd acaba de
ser julgado no Paquistão por
tentativa de atentado.
FOLHA - Por que alguns ocidentais
se sentem atraídos pela Al Qaeda?
ROY - Se deixarmos de lado o
Corão e pensarmos em termos
de anti-imperialismo, veremos
que a Al Qaeda é a sucessora de
Che Guevara e do Baader-Meinhof [grupo guerrilheiro alemão]. A mulher do terrorista
jordaniano, que matou recentemente sete agentes da CIA no
Afeganistão, acaba de compará-lo ao Che. Aos olhos da extrema esquerda romântica a
comparação com o Che é uma
blasfêmia, mas em termos estruturais são muito próximos.
Quem sustenta a ideia de que
o maior problema do mundo é o
imperialismo dos EUA? Bin Laden. Quem apela ao levante dos
jovens e ao conflito de gerações? Bin Laden. A busca da
morte em ação de um guerrilheiro romântico é o mesmo
modelo do suicida da Al Qaeda.
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