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São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 2003

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"Saddam é esperto", diz entrevistador

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ditador iraquiano, Saddam Hussein, é um homem esperto, que pode ter armas de destruição em massa, mas não possui ligações com a rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden.
Foi essa a impressão, relatada em entrevista telefônica, de Londres, à Folha, que teve o ex-deputado e ex-ministro britânico Tony Benn, 78, após visita de três dias ao Iraque, semana passada.
Benn, membro do Partido Trabalhista, o mesmo do premiê Tony Blair, teve uma reunião com Saddam transmitida pela TV britânica -a primeira entrevista do líder iraquiano em uma década.
Opositor da guerra, ele viajou ao Iraque para "explorar as possibilidades de paz". Diz que o encontro, em um palácio nas redondezas de Bagdá, foi "amigável".
Espécie de guru da esquerda britânica, três vezes ministro em governos trabalhistas nos anos 70 e deputado por 51 anos, Benn, desde a vitória trabalhista, em 1997, vem criticando sistematicamente a conversão de seu partido a idéias liberais e o alinhamento automático aos EUA.

Folha - O sr. saiu da conversa convencido de que Saddam não tem armas de destruição em massa?
Tony Benn -
Eu não sei se acredito em Saddam. Acreditarei apenas nos inspetores da ONU, que até agora não encontraram nada. Na questão das ligações com a Al Qaeda, não acredito que haja nenhuma relação porque há uma teologia e uma prática completamente diferentes. A Al Qaeda segue o fundamentalismo, e o Iraque é secular.

Folha - O sr é acusado pelo governo Blair de fazer apologia de Saddam. O que acha disso?
Benn -
Blair está em uma pequena minoria no Reino Unido. Ele não deveria apoiar Bush, porque Bush quer uma guerra por petróleo. Não tem nada a ver com armas de destruição em massa.

Folha - O Iraque sem Saddam não seria um lugar melhor?
Benn -
Não, porque seria controlado por generais americanos. E é provável que haja o desmembramento do Iraque.

Folha - Quais seriam as consequências no Reino Unido?
Benn -
A consequência de longo prazo, muito além do bombardeio, será a desconfiança entre cristãos e muçulmanos, como ocorreu nas Cruzadas 900 anos atrás. Quando Bush falou de uma Cruzada contra o terrorismo, devia estar louco, porque todos os muçulmanos do mundo sabem o que as Cruzadas significaram. O que sei é que, se eu fosse Bin Laden, iria querer muito a guerra, porque Bush e Blair estarão recrutando pessoas para a Al Qaeda a cada dia.

Folha - O sr. acha que a guerra pode ainda ser evitada?
Benn -
Acho que Bush irá à guerra em uma questão de semanas. Se Blair dissesse a Bush que não pode apoiá-lo, Bush ficaria isolado mesmo nos EUA. Se Bush levasse os EUA à guerra sozinho, muitos americanos diriam que esse poderia ser um novo Vietnã.

Folha - O sr. é um raro ocidental que teve contato com Saddam. Que impressão teve?
Benn -
Antes da entrevista, discutimos quais seriam os assuntos. Ele é um advogado, não é um general, é um homem muito esperto. Não quis conhecer as perguntas antes e suas respostas eu considerei interessantes.

Folha - A imprensa britânica criticou o sr. por não ter sido duro o suficiente na entrevista.
Benn -
Eu não sou jornalista. Se todos os diplomatas se espelhassem em jornalistas, haveria uma guerra nuclear todos os dias.

Folha - O sr. saiu com a impressão de que o Iraque é realmente a ditadura mostrada na TV?
Benn -
Saddam é um ditador brutal e sabe que eu penso isso. Não fui apoiá-lo. Se você mata um país de fome e o bombardeia, as pessoas não têm tempo para a política. A única forma de se livrar de Saddam é deixar os iraquianos lidarem com ele.




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