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INTOLERÂNCIA
Não há liberdade de culto no país, e conversão de muçulmano a outra religião pode ser punida com a morte
Arábia Saudita reprime as religiões não islâmicas
ELAINE SCIOLINO
DO "THE NEW YORK TIMES", EM RIAD
Em um lugar secreto para todos
menos os que frequentam o local
todo domingo à noite, um jovem
padre católico faz uma coisa perigosa: celebra uma missa.
Ele chega à paisana e tira suas
vestes, sua Bíblia, seu crucifixo e
seu cálice de um armário trancado. A discrição é essencial, diz,
porque a Mutawwain, polícia moral empregada pelo reino que patrulha as ruas da capital saudita,
ameaçou persegui-lo.
Ser testemunha da fé adquire
um significado especial nessa teocracia monárquica. Aqui, o islã é a
única religião oficial, e todos os cidadãos devem ser muçulmanos.
A Constituição é o Alcorão e os
ensinamentos do profeta Muhammad. O proselitismo é punível com a prisão. A importação e a
distribuição de Bíblias são proibidas. A conversão de um muçulmano a outra religião é considerada apostasia, punível com a morte, se o acusado não se retratar.
Não-muçulmanos que realizem
atividades religiosas abertamente
correm o risco de ser presos, chicoteados e deportados.
Ao descrever a Arábia Saudita
em seu relatório sobre liberdade
religiosa de 2001, o Departamento
de Estado dos EUA foi direto: "A
liberdade de culto não existe".
A situação é particularmente
delicada para os soldados americanos. A eles é oferecida uma variedade de serviços religiosos,
com a ajuda de capelães militares.
Mas eles não podem praticar sua
religião em público. Os soldados
que usam estrelas de Davi ou crucifixos precisam mantê-los escondidos debaixo da roupa.
O presidente dos EUA, George
W. Bush, já chamou o islã de uma
grande religião e descreveu os
americanos como religiosos e tolerantes. Em um discurso ao Congresso pouco depois de 11 de setembro, ele disse que os "bárbaros" que haviam atacado os EUA
"odeiam nossas liberdades, nossa
liberdade de culto, nossa liberdade de expressão, nossa liberdade
para votar e nos reunir e discordar uns dos outros".
Mas nem Bush nem nenhum de
seus assessores para assuntos de
segurança nacional criticaram a
recusa da Arábia Saudita em permitir que americanos e outros estrangeiros pratiquem suas religiões abertamente. Os EUA, assim como outros países, concordaram com o pacto ditado pelos
sauditas: se você tiver de praticar
sua religião, faça-o em segredo.
Em um domingo recente, cerca
de 200 católicos de pelo menos 20
países se reuniram para a missa.
Entre eles estavam diplomatas,
executivos, motoristas, empregadas domésticas e crianças.
Um dos organizadores verificava seus nomes à porta antes de
deixá-los entrar em um salão de
festas. No local, um altar improvisado havia sido montado com um
crucifixo, velas e cestas de flores.
Do lado de fora, policiais sauditas
vigiavam a entrada, aparentemente para proteger o serviço da
menos disciplinada polícia moral,
mas talvez também para anotar os
nomes dos presentes.
Os fiéis recitaram a liturgia, cantaram hinos, trocaram saudações
de paz e receberam a comunhão.
Alguém havia levado as cadeiras
embora, então eles permaneceram de pé durante toda a missa,
que durou mais de uma hora.
O reino proíbe sacerdotes não
muçulmanos de entrar no país
para realizar serviços religiosos,
apesar de permitir a entrada de alguns por outras razões. Há poucos padres e pastores residentes.
Os fiéis frequentemente conduzem seus próprios rituais. Serviços protestantes, mórmons e judaicos são realizados em segredo.
O relatório do Departamento de
Estado sobre liberdade religiosa
afirma que não há uma definição
clara de "prática religiosa privada" e cita exemplos de "execução
arbitrária" da norma que estabelece o islã como religião única.
A dúvida sobre o que é privado
foi destacada em meados do ano
passado, quando um executivo
indiano que estava deixando o
país alugou um salão e fez uma
festa de despedida, segundo diplomatas estrangeiros presentes.
Quando os 800 convidados chegaram, uma missa foi iniciada.
As autoridades sauditas ignoraram o fato. Mas, quando ele fez a
mesma coisa pela segunda vez,
prenderam-no -e mais outras 15
pessoas. Pelo menos metade dos
detidos foi deportada.
"A regra é: se o serviço for discreto e pequeno, tudo bem. Mas
800 pessoas estavam acima dos limites", afirmou um diplomata
ocidental.
O islamismo foi fundado no século 7º pelo profeta Muhammad,
que, crêem os muçulmanos, recebeu revelações de Deus por meio
do arcanjo Gabriel e as registrou
no que ficou conhecido como o
Alcorão. Moisés e Jesus estão entre os profetas homenageados no
livro sagrado muçulmano.
Apesar de a prática do cristianismo e do judaísmo ser permitida em muitos países árabes e muçulmanos, esse não tem sido o caso no reino saudita, que abriga
Meca e Medina, os dois santuários mais sagrados do islamismo.
Osama bin Laden, que nasceu
na Arábia Saudita, promete purgar a presença militar "infiel"
americana do país há anos. Essas
ameaças tornam o assunto da
prática religiosa de seus soldados
servindo na Arábia Saudita um
assunto particularmente delicado
para funcionários do governo dos
EUA, que relutam em discuti-lo.
Mas os próprios soldados não
vêem problemas em falar no assunto. "Tenho três Bíblias", disse
um jovem militar em uma instalação militar americana, que afirmou frequentar serviços religiosos protestantes. "Eles que experimentem tirá-las de mim."
Em uma entrevista recente, o
príncipe herdeiro Abdullah, o governante de fato da Arábia Saudita, foi questionado por uma repórter americana se seu reino tinha um problema de imagem entre os americanos.
Os americanos não entendiam a
ausência de eleições, as limitações
aos direitos das mulheres e a intolerância em relação a outras religiões, disse a repórter, acrescentando que, durante uma visita turística à Arábia Saudita há quase
20 anos, quando ainda era solteira, ela havia sido impedida de frequentar a missa.
Abdullah respondeu que a presença dos dois santuários em solo
saudita era o "principal obstáculo" à realização de mudanças no
reino. "Nossa fé e a nossa cultura
dividem o país", afirmou o príncipe.
Ele não tocou no assunto da liberdade religiosa.
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