São Paulo, domingo, 10 de março de 2002

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SEIS MESES DEPOIS

ARTIGO

Uma vitória vinda das cinzas

O ex-prefeito Rudolph Giuliani diz que os EUA venceram guerra ao terror em 11 de setembro

France Presse
No Ponto Zero, urso de pelúcia vestido como bombeiro de NY


RUDOLPH W. GIULIANI
Nos seis meses que se passaram desde que milhares de pessoas morreram nos ataques ao World Trade Center e ao Pentágono, milhares de outras já fizeram a viagem até o local onde antes se erguiam as torres gêmeas para render homenagem às vítimas de Nova York. Visitar o Ponto Zero [nome pelo qual os americanos chamam o local onde ficavam as torres gêmeas] é uma experiência muito difícil, muito dolorosa. Mas, para mim, também é profundamente inspiradora.
O local serve para nos recordar, para sempre, que, em 11 de setembro, o mesmo dia em que os ataques aconteceram, os EUA ganhamos a guerra contra os terroristas. Agora precisamos continuar a vencer todas as batalhas.
O objetivo das pessoas que atacaram nosso país foi destruir nosso espírito. Foi um ataque à própria idéia de uma cidade civil livre e inclusiva. Sim, os terroristas queriam matar americanos. E, tragicamente, eles conseguiram. Mas não alcançaram seu objetivo último: nos meter medo e provar que éramos fracos.
Aqueles que nos atacaram acreditavam que não tínhamos a mesma determinação de nos defendermos quanto as gerações americanas passadas. Mas eles estavam enganados.
Já nos primeiros momentos após os ataques -e na luta que se travou a bordo do vôo 93 da United Airlines-, os americanos demonstraram espontaneamente que, quando postos à prova, somos tão dispostos quanto nossos antepassados a sacrificar nossas vidas em defesa da liberdade política, da liberdade econômica, da liberdade religiosa e de todos os outros valores representados por nosso país.
E essa é a verdadeira história de 11 de setembro: a história das centenas e mais centenas de bombeiros, policiais, funcionários dos serviços de resgate e de emergência e outros americanos corajosos que sacrificaram suas vidas, sem hesitar, para salvar outros e defender a América.

Heróis ocultos
Quando vejo o Ponto Zero, penso nos bombeiros que não estavam em serviço e que foram ao World Trade Center no instante em que tomaram conhecimento dos atentados -e que perderam suas vidas ali. Também penso nas pessoas que nunca vamos poder homenagear da forma como gostaríamos.
Sabemos sobre os bombeiros, os policiais e os funcionários dos serviços de emergência que perdemos. Sabemos seus nomes e pudemos homenagear e assistir suas famílias. Aqueles sobre os quais nada sabemos são os heróis ocultos.
Contaram-me sobre um homem, um pai de família que tinha 69 anos de idade, creio eu, e trabalhava no World Trade Center. No dia dos ataques, quando seu edifício estava sendo esvaziado, ele deixou todas as pessoas mais jovens do que ele subirem nos elevadores primeiro.
Vários elevadores levaram as pessoas para baixo em segurança. Quando os dois últimos elevadores estavam prestes a descer, as pessoas o chamaram para entrar. Mas ele disse: "Não, não. Eu já vivi muito tempo. Vocês precisam ser salvos primeiro. Eu vou sair, não se preocupem."
Mas ele nunca chegou a sair.
Há muitos outros heróis e heroínas semelhantes soterrados ali -pessoas que deixaram outra pessoa ir primeiro, que confortaram alguém, que talvez tenham voltado atrás para ajudar outra pessoa a escapar.
Muitas vezes eu me pego pensando sobre o que teria acontecido se as pessoas tivessem agido de outra maneira. E se elas tivessem feito o que os terroristas acharam que fariam?
Tenho certeza de que o plano dos terroristas era gerar o caos e o pânico. Eles sabiam que os ataques matariam certo número de pessoas, mas acreditavam que a reação caótica das pessoas mataria ainda mais. Homens e mulheres pisoteariam uns aos outros, machucariam uns aos outros, até matariam uns aos outros para conseguir escapar.
Os terroristas previam assistir a uma manifestação maciça de covardia. E esperavam que o medo e o pânico dividissem nosso país.
Mas a reação foi o contrário disso: foi um grande exemplo de bravura e dedicação.
É espantoso assistir a videoteipes feitos no World Trade Center em 11 de setembro e ver o clima de ordem em que as pessoas desocuparam os edifícios.
É verdade que essas pessoas correram e fizeram tudo o que se podia prever para salvar a elas próprias e a outras. Mas não fizeram o que os terroristas mais previam que fizessem: entrar em pânico.
Em lugar disso, elas se controlaram. Agiram com o máximo de calma possível numa situação como aquela -e, com isso, conseguiram impedir que o número de baixas fosse muito maior.

Cidade e país unidos
Nos dias que se seguiram aos ataques, o país se uniu e abraçou a população de Nova York. Cada Estado, cada cidade, cada parte dos EUA nos deu assistência -com policiais, bombeiros, funcionários de resgate, profissionais de saúde, líderes religiosos, voluntários e equipamentos.
O enorme número de pessoas e sua sincera disposição em ajudar eram avassaladores. Em muitos casos, havia como elas ajudarem; em outros, realmente não havia o que pudessem fazer. Mas sua presença deu à população de Nova York um enorme sentimento de apoio e solidariedade.
Nova York conseguiu enfrentar a tragédia -e superá-la- em grande medida porque recebeu tanta ajuda e tanto encorajamento do resto do país.
A população americana nos fez sentir que somos parte de algo que é muito, muito maior até mesmo do que nossa cidade, maior e muito mais importante: somos parte dos Estados Unidos da América.
Quando pensamos sobre os acontecimentos tenebrosos de 11 de setembro, é importante lembrar que fomos atacados por causa de nossas crenças.
Fomos atacados porque acreditamos profundamente na liberdade religiosa, política e econômica, enquanto os terroristas acreditam profundamente na tirania e na opressão.
Mas o povo livre sempre irá prevalecer. Viver em liberdade nos confere uma reserva de bravura e determinação que nem sequer percebemos que possuímos, até o momento em que nossa vida é posta em jogo.
Devemos ver o local da tragédia do World Trade Center como um lugar que nos faz lembrar que a liberdade e a democracia têm um custo alto: o custo da vigilância. E não devemos fechar os olhos, jamais, àqueles que procuram jogar por terra os valores que lutamos tão arduamente para preservar.

Rudolph Giuliani, 57, foi prefeito de Nova York de 1994 a 2002

Tradução de Clara Allain


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