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ARTIGO
A maldição do mundo árabe
TAHAR BEN JELLOUN
DO "LE MONDE"
Uma lenda árabe diz que uma
vez a cada cem anos um homem
que não é nem herói nem mártir,
um homem providencial, uma espécie de profeta leigo, um sábio
dotado de lucidez e justiça, se ergue e salva uma nação. O mundo
árabe espera por esse homem há
muito tempo. Se esse homem
existe, estou certo de que ele não
sente vontade nenhuma de erguer-se para vir socorrer um Saddam responsável por tantas infelicidades.
Entretanto, nesse mundo as organizações políticas progressistas
foram reprimidas. A sociedade civil tem dificuldade em emergir. O
Estado de direito está em falta em
muitos países árabes. Em contrapartida, o discurso irracional, religioso e nacionalista, avança de
vento em popa. E a população
manifesta sua ira quando pode.
O drama é que os líderes que
reinam pelo poder e a brutalidade
conseguem fixar-se no imaginário de grande parte das populações árabes. Aparecem para elas
como heróis, herdeiros de Saladino. Esses ditadores se fazem passar por salvadores, quando na
realidade não passam dos "novos-ricos" da política, sem moral
nem princípios, opressores de
seus povos que, a longo prazo, levam ao retrocesso do mundo árabe, a sua derrota e a sua grande
miséria intelectual e política.
É difícil, hoje, exigir de uma
multidão árabe que se manifesta
contra a guerra no Iraque que trace uma distinção entre o povo e
seu chefe. É difícil lhe dizer: "Defendo a causa do povo iraquiano e
condeno Saddam". Essa confusão
é intolerável.
Graças a Bush, o fundamentalista, à arrogância de seus conselheiros e, sobretudo, à ignorância deles no que diz respeito à cultura e à
psicologia de uma sociedade de
clãs, como é a iraquiana, Saddam
está ganhando o status de "herói".
As populações árabes se esquecem de todos os crimes que ele cometeu e das guerras atrozes que
provocou. Manifestantes no Egito, na Jordânia e no Marrocos gritam palavras de ordem inspiradas
diretamente nos movimentos islâmicos. Estamos preparando novas derrotas no front da democracia e da liberdade individual.
Se hoje estamos atolados nessa
nova tragédia, na qual a perdedora, de uma maneira ou de outra,
será a democracia no mundo árabe, é porque esse mundo árabe está a tal ponto ferido, dilacerado e
dividido que está se desfazendo
como entidade. Então ele se refugia na fé religiosa, confia em charlatães que sabem lhe falar, reforçando suas certezas e seus preconceitos. Encontra no discurso
religioso, mesmo que seja mal
compreendido, um conforto, um
apaziguamento que os políticos
não souberam lhe proporcionar.
A tudo isso se misturam o irracionalismo e uma atitude perversa de esperar para ver. As pessoas
que fazem manifestações de rua
não hesitam mais em constatar
aquilo que realmente dói: que o
mundo árabe não existe. E a responsabilidade da equipe de Bush
é esmagadora, de uma gravidade
sem precedentes. Ela participa
desse trabalho de subdesenvolvimento econômico e regressão intelectual, maldição que tomou
conta do mundo árabe.
Tahar Ben Jelloun é escritor marroquino.
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