São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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COMENTÁRIO

As imagens problemáticas

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Morrem muitos soldados americanos no Iraque, mas não se vêem imagens da chegada dos corpos nos EUA. Uma colunista do "New York Times" tocou nesse assunto, em meio a indícios de que volta a circular a "síndrome vietnamita". As cerimônias de recepção de mortos estiveram entre os fatores de maior desgaste do governo americano na Guerra do Vietnã e, por isso, o Pentágono achou melhor proibir que jornalistas cobrissem atos fúnebres nas bases de Ramstein, na Alemanha, e Dover, em Delaware, EUA.
Partiram da própria Casa Branca, segundo o "Washington Post", as ordens de controle (ou censura) da presença de fotógrafos e câmeras de TV nas cerimônias, em bases dos EUA, de homenagem a mortos no Iraque. Medida que tem a ver com as preocupações de perdas de pontos que parecem tornar-se mais agudas a cada pesquisa. Há casos, envolvendo sobretudo imigrantes, em que os atos formais são até dispensados. Aconteceu com um peruano que obteve cidadania americana pouco antes de ir para o Iraque. Morreu na região de Tikrit.
Esse blecaute não é a única relação penosa de Bush com antecedentes vietnamitas. Christian G. Appy, autor de "Patriots", uma recontagem da tragédia do Vietnã por gente que esteve por dentro, tem outro livro, intitulado "Working-Class War". Traça o formato social dos que combateram no Vietnã, uma guerra travada sobretudo pela "working-class", a dos trabalhadores, os "our boys" de extração operária. As castas de privilegiados escaparam. Bush, hoje o "top gun", beneficiário de jogos patrióticos, refugiou-se na Guarda Nacional do Texas.
Como o alistamento obrigatório acabou nos EUA, em conseqüência do Vietnã, hoje o Exército americano é de profissionais, o que acentua a presença de gente de classes menos favorecidas. Há um curta-metragem sobre o peso do Vietnã em cima dos mais pobres, e que pode aplicar-se ao Iraque, intitulado "Fortunate Son", ou filho afortunado. Bush é um deles e dos mais bem aquinhoados, como mostra o livro "Shrub". Pequeno arbusto em inglês. Ou "small bush", o pequeno Bush. Cita como o ponto alto do presidente a sua habilidade em amealhar dólares.
O curta inspirou-se em canção do grupo de rock Creedence Clearwater Revival. Fala dos "filhos afortunados que conseguiram escapar dessa guerra suja"; Greg Wilcox, o realizador, lembra que eram 24 os jovens americanos que nasceram no mesmo dia de Bush (6 de julho de 1946) e, no Vietnã, "viram o último raio de sol e deram o último suspiro".


Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais.


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