São Paulo, sábado, 10 de abril de 2010

Próximo Texto | Índice

Papa mandou adiar saída de padre pedófilo

Em carta assinada, então cardeal Ratzinger evocou "o bem da igreja" para pedir cautela e estender processo nos anos 80

No documento, obtido pela Associated Press, Bento 16 admite "grave importância" das acusações, mas ordena "o trato paterno" do acusado


Vincenzo Pinto - 7.abr.2010/France Presse
Papa Bento 16 saúda fiéis na última quarta em missa no Vaticano

DA ASSOCIATED PRESS

O então cardeal Joseph Ratzinger -hoje papa Bento 16- resistiu a apelos para expulsar do clero um padre americano que tinha histórico de abusos sexuais contra crianças, alegando preocupações que incluíam "o bem da igreja universal", de acordo com carta de 1985 que traz sua assinatura.
A carta, obtida pela agência Associated Press, é a mais forte contestação apresentada até agora à insistência do Vaticano em afirmar que o papa não desempenhou qualquer papel no bloqueio à remoção de padres pedófilos durante os anos em que comandou a Congregação para a Doutrina da Fé, antes de assumir o papado em 2005.
O texto foi datilografado em latim e é parte de anos de correspondência entre a Arquidiocese de Oakland e o Vaticano sobre a proposta de expulsar do clero o padre Stephen Kiesle.
O Vaticano se recusou a comentar a carta, mas um porta-voz confirmou que tinha a assinatura do cardeal Ratzinger.
"O serviço de imprensa não considera necessário responder a todos os documentos tirados de contexto com relação a situações legais específicas. Não é estranho que existam documentos isolados que portem a assinatura do cardeal Ratzinger", disse um porta-voz.
A diocese recomendou que Kiesle fosse expulso em 1981, o ano em que Ratzinger foi indicado para o comando do departamento do Vaticano que partilha a responsabilidade por disciplinar sacerdotes.
O caso ficou quatro anos no Vaticano antes que Ratzinger escrevesse ao bispo John Cummins, de Oakland. E foram necessários mais dois anos para que Kiesle fosse removido.
Na carta de novembro de 1985, Ratzinger dizia que os argumentos para a sua expulsão eram de "grave importância", mas acrescentou que ações como aquela requeriam revisão muito cuidadosa e mais tempo. Ele também instou o bispo a oferecer "tanto tratamento paterno quanto possível" a Kiesle.
Ratzinger também apontou que qualquer decisão sobre expulsar Kiesle precisava levar em conta "o bem da igreja universal" e o "detrimento que conceder essa dispensa pode provocar na comunidade dos fiéis em Cristo, especialmente considerando sua juventude". Kiesle tinha 38 anos na época.
Ele fora sentenciado em 1978 a três anos de liberdade vigiada, após se declarar culpado por delito de conduta obscena, ao amarrar e molestar dois meninos na sacristia de uma igreja.
Com o fim de sua sentença, em 1981, Kiesle pediu para deixar de ser padre, e a diocese submeteu a Roma a documentação necessária à sua exclusão.
Kiesle por fim foi expulso do clero em 1987, quando Ratzinger se mantinha à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, ainda que os documentos não indiquem como.
O ex-padre foi detido em 2002 e acusado por 13 casos de molestamento de crianças nos anos 70. Kiesle se declarou culpado de crime em 2004 por molestar uma menina em sua casa, em 1995, e foi sentenciado a seis anos de prisão.
Seu caso é a evidência mais contundente da atuação de Ratzinger para acobertar episódios de pedofilia na igreja, mas não é o único. O papa tem evitado falar publicamente sobre os escândalos, mas pediu, no mês passado, em carta aos fiéis da Irlanda, onde investigações expuseram milhares de casos de abuso ao longo de décadas, "perdão e renovação interior".


Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.