São Paulo, sábado, 10 de abril de 2010

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CLÓVIS ROSSI

Só Rússia dança o tango


Acordo sobre armas é a única resposta ao engajamento proposto por Obama em seu primeiro ano de mandato


DESDE QUE ASSUMIU , faz já um ano e três meses, o presidente Barack Obama lançou mensagens de engajamento "urbi et orbi": para aliados tradicionais, como os europeus; para vizinhos que se distanciaram de Washington, caso da América Latina; para inimigos, como o Irã; para comunidades inteiras, como os muçulmanos, em notável discurso no Cairo.
Não deixa de ser paradoxal que a Rússia, o grande inimigo dos EUA nos longos e tensos anos da Guerra Fria, tenha sido o país que mais se dispôs a aceitar dançar o tango, para usar frase usual nos Estados Unidos que diz que "we need two to tango" (é preciso dois para dançar tango).
É esse, a rigor, o significado mais relevante do acordo assinado anteontem em Praga pelos presidentes Obama e Dmitri Medvedev para a redução do armamento nuclear.
O efeito prático é limitado, como bem assinalou a competente correspondente desta Folha em Genebra, Luciana Coelho. Mas o efeito-demonstração pode ser fundamental, se se quiser chegar mesmo ao armamento nuclear zero, como Obama afirmou desejar, em discurso também em Praga, no ano passado.
Naquele discurso, ele dissera que "como potência nuclear, como a única potência nuclear a ter usado uma arma atômica, os EUA têm uma responsabilidade moral para agir" [na direção de um mundo sem armas atômicas].
O acordo com a Rússia é um primeiro passo. Mas o engajamento, nesse âmbito, pressupõe que outros países o aceitem, como aponta Cindy Vestergaard, mestre em Relações Internacionais e Estudos Europeus do Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais:
"Cabe aos EUA, Rússia e aos outros sete Estados que têm armas atômicas dar os difíceis passos iniciais e continuar com eles, rumo a um mundo sem armas nucleares".
A Rússia aceitou esse tango. Mas sobre todas as demais iniciativas de engajamento lançadas por Obama a reação foi de omissão ou pior.
É verdade que a China dá sinais de que se dispõe, agora, a começar a se mexer para mudar a política cambial de manter o yuan desvalorizado, o que facilita suas exportações e cria um desequilíbrio global que os EUA e outros países consideram componente importantíssimo da crise global, até por existir antes de que ela se tornasse aguda com a quebra do Lehman Brothers.
Se os chineses saírem mesmo para o tango, ficará ainda mais exótica a posição de aliados tradicionais, como os europeus, que parecem ter se demitido do mundo, voltados a seus próprios problemas e, por isso, pouco ou nada inclinados a engajar-se no que quer que seja.
Na América Latina, o abraço inicial de Obama, faz um ano, na Cúpula das Américas de Trinidad e Tobago, tampouco teve consequências, o que é, em boa medida, responsabilidade do Brasil. Ficou implícito, antes e depois da cúpula, que Washington, de alguma maneira, pretendia terceirizar a América Latina para a sua principal potência, o Brasil.
Não funcionou. O Brasil mostrou-se impotente para agir em todas as dificuldades surgidas na região (Honduras, a crise das bases colombianas que os EUA usarão, o conflito Colômbia/Venezuela).
Depois, o pessoal reclama do unilateralismo norte-americano.


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