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Escassez venezuelana afeta pobres e ricos
Produtos como carne, feijão preto, leite e açúcar são raros nas prateleiras; em alguns casos, é necessário pagar gorjeta
Governo acusa EUA de plano para desestabilizar o país; analistas afirmam que culpa é do rígido tabelamento de preços, que ignora inflação
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
Anteontem à tarde, mercado
Luvebras, no afluente bairro La
Castellana, zona leste da capital
venezuelana. Dois funcionários
puxam um carrinho carregado
de carne em bandejas. Atraem
imediatamente a atenção dos
clientes, na maioria mulheres
de classe média alta.
Sem disfarçar a ansiedade, os
clientes se aglomeram em torno dos funcionários e se acotovelam para pegar seus pedaços
de carne de boi e de frango da
prateleira numa velocidade
mais rápida do que a reposição.
Alguns avançam diretamente
no carrinho, outros levam o
quanto conseguem segurar.
Em pouco tempo, o balcão refrigerado volta a ficar vazio.
Cinco estações de metrô
mais a leste, na populosa região
pobre do Petare, a loja do Mercal, a rede de supermercados
pública, sofre com a falta de
produtos e clientes. Assim como no primo rico, faltam carne,
ovos, leite, feijão preto e queijo
branco, embora tenha açúcar,
limitado a um quilo por cliente.
"Aqui, não se consegue nada
há três semanas", diz Willian
Quintero, 24, do Petare, ao
acompanhar um primo que fazia compras no Mercal. "A cada
dia é mais difícil encontrar carne, papel higiênico, leite."
Funcionário do supermercado localizado dentro do centro
comercial Los Naranjos, em
área nobre da cidade, Quintero
mede a escassez pelo volume de
trabalho. Nos últimos dias,
conta, passou meio período
sem fazer nada, já que sua função é abastecer as prateleiras.
Para um cliente conseguir
carne no mercado onde trabalha, diz Quintero, é preciso pagar "propina" (gorjeta) para o
açougueiro. "Eles vão lá, deixam a lista do que querem junto com um dinheirinho", sorri.
Plano desestabilizador
A falta de produtos alimentícios é uma constante na Venezuela desde o fim do ano passado, mas parece ter piorado na
última semana, quando voltou
a ter destaque na imprensa local. "Os "super" quase pelados",
foi a manchete de sexta-feira
no jornal "Últimas Notícias", o
de maior circulação do país.
Para porta-vozes do governo
Hugo Chávez, no entanto, a falta de produtos tem sido exagerada por um "plano desestabilizador" orquestrado pela oposição com a ajuda dos EUA. O objetivo seria provocar "perturbações da ordem" até dia 26,
quando termina a concessão do
canal oposicionista RCTV.
"[A escassez] tem a ver com a
solidariedade dos monopólios e
oligopólios dos alimentos com
o fim da concessão da RCTV
(...). É a forma como esses setores plantam o terror, a confusão e a angústia para gerar compras nervosas na população",
lia-se ontem no "Vea", considerado uma gazeta oficial informal do Palácio Miraflores.
Uma pesquisa recente mostra que o governo Chávez tem
razão ao menos quanto ao suposto aumento do problema.
"Não houve incrementos no nível de desabastecimento. O que
vem ocorrendo é um abastecimento irregular", disse à Folha
Luis Vicente León, do instituto
Datanálisis, que há seis semanas faz um levantamento em
60 estabelecimentos comerciais da região de Caracas.
Na semana passada, segundo
o Datanálisis, os produtos com
"escassez grave", termo usado
quando há falta em pelo menos
40% dos abastecimentos pesquisados, foram a sardinha em
lata, o feijão preto, o açúcar, o
leite em pó e carne em geral.
Para León, o número de produtos que apresentam problemas de escassez grave tem sido
constante nas últimas seis semanas, embora haja variação
de gêneros nas prateleiras.
Mas os motivos para a escassez, diz, são leis econômicas
clássicas, e não planos subversivos de Washington.
O analista ressalta que em
comum a todos os produtos
com problemas há o fato de estarem tabelados pelo governo,
que resiste em reajustar apesar
da inflação alta -19,4% nos últimos 12 meses. No período,
também houve aumento significativo da demanda, impulsionada pelo crescimento econômico de 10% do PIB em 2006.
"Só se aumenta a oferta pelo
aumento de produção ou das
importações, mas nada disso
ocorreu. E não se expande a
produção local por causa do
controle de preços, do excesso
de fiscalização, das acusações
de especulação e de retenção
de estoques e das ameaças de
prisão", afirma Vicente León.
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