São Paulo, sábado, 10 de maio de 2008

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Hizbollah toma parte ocidental de Beirute

Milícias xiitas controlam 11 bairros na capital, empurrando o país para beira de conflito civil

Pelo menos 19 morrem em confrontos que ameaçam contaminar região instável; governo está enfraquecido, e Exército continua neutro

TARIQ SALEH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BEIRUTE

Milícias da oposição libanesa, liderada pelo grupo radical xiita Hizbollah e apoiada pelo Irã e pela Síria, tomaram ontem o lado oeste de Beirute, empurrando o país para a beira de um conflito civil no terceiro dia de confrontos entre grupos armados pró e antigoverno.
A capital e outras cidades continuam tomadas por combates que já deixaram, até a noite de ontem, ao menos 19 mortos e 30 feridos. As milícias avançam para o porto, protegido pelo Exército.
A deterioração da situação interna do Líbano ameaça desequilibrar o delicado balanço de forças na região e envolver em um conflito países vizinhos. "O Oriente Médio ficará mais perigoso com um Líbano em guerra civil, isso é certeza", disse à Folha a socióloga e especialista em Ciência Política por Harvard Sophie Saade. "Os efeitos serão sentidos sobretudo na Síria e em Israel."
Damasco ocupou militarmente o Líbano até 2005, apóia o Hizbollah e está intimamente ligada à política libanesa. Já Israel, que travou guerra com o grupo xiita por 33 dias em 2006, dificilmente ficaria de braços cruzados ante o fortalecimento e avanço das milícias para perto de sua fronteira.
Já são produto de uma batalha de duas agendas distintas na região -uma americana-israelense, outra sírio-iraniana, que aos poucos parece estar se impondo- o conflito atual e o enfraquecimento do governo pró-Ocidente do premiê Fuad Siniora, explica Saade.
Na capital libanesa, a oposição venceu batalhas e rapidamente controlou 11 bairros, quase todo o lado muçulmano no oeste de Beirute. As milícias logo ergueram postos de checagem em ruas que levam à sede do governo, que continua sob proteção do Exército.
"A vitória rápida da oposição nas ruas confirmou a fraqueza do governo de Siniora e seus aliados", avalia Saade, "dando mais munição para o avanço do Hizbollah e seus aliados".
Sitiado pelos milicianos em sua casa, o líder sunita governista Saad Hariri - filho do ex-premiê Rafik Hariri, cujo assassinato, em 2005, foi a gênese da atual crise- pediu a volta das negociações. O Hizbollah rejeitou a proposta.

Tensão
O governo havia anunciado segunda-feira que investigaria uma rede de comunicações privada do Hizbollah que, alega, viola a soberania do Estado libanês. A medida provocou a ira do grupo, que salientou que a rede era parte de sua estrutura militar e que elementos do governo trabalhavam como "espiões para EUA e Israel".
Quarta-feira, sindicatos pró-oposição realizaram uma greve geral por aumento de salários. Os protestos logo se tornaram confrontos violentos, colocando militantes pró e antigoverno em batalhas nas ruas da capital. A oposição exige a renúncia de Siniora, apoiado pelos EUA e outros países ocidentais.
A oposição fechou a TV Futuro, o jornal "Al Mustaqbal" e a rádio Al Sharq, ligados a Hariri, quando militantes atacaram os prédios das empresas com fuzis e lança-granadas. Uma fumaça preta podia ser vista do prédio do jornal em chamas.
O Exército libanês adotou a neutralidade, garantindo apenas a segurança de civis e prédios governamentais. Na manhã de ontem, o governo estudava a possibilidade de declarar estado de emergência, rapidamente rejeitada pelo comando do Exército, pois obrigaria a instituição a interceder no conflito -o que poderia levar à sua desintegração devido a lealdades sectárias dos soldados.
O governo acusa o Hizbollah e seus aliados de tentativa de golpe de Estado, e o movimento 14 de Março, que forma a base governista, declarou que continua apoiando o premiê Siniora.
Beirute permanece sob alta tensão, e grande grande das ruas está vazia. Muitos moradores de áreas turbulentas já deixaram a capital.
Outros combates ganharam força em Trípoli (norte), em Aley e Khalde (cercanias da capital) e em cidades no vale do Bekaa (leste). Nas montanhas de Chouf, nos arredores de Beirute, as milícias drusas, do líder Walid Jumblatt, entraram, pela primeira vez, em confrontos com milicianos do Hizbollah.
Algumas estradas foram reabertas no interior, mas a rodovia que leva à fronteira com a Síria continua fechada, assim como o aeroporto de Beirute.
O Líbano vive uma crise política há mais de um ano e está sem presidente desde novembro, quando o pró-Síria Emile Lahoud deixou o cargo. Desde então, governistas e oposição não chegam a um acordo para eleger seu substituto.
Para analistas, sem que aliados árabes, como Egito e Arábia Saudita, exerçam influência na solução da crise, o governo caminha para o colapso.


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