São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 2011

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Nobel da Paz defende operação contra líder da Al Qaeda

Iraniana Shirin Ebadi condena, no entanto, as práticas de tortura dos EUA na prisão de Guantánamo em nome da luta antiterror

AMARO GRASSI
DE SÃO PAULO

A operação que resultou na morte de Osama bin Laden foi o que restou para os EUA diante da negativa do líder terrorista em se entregar para ser julgado. Mas suas ações não podem justificar a tortura em Guantánamo.
A opinião é defendida pela ativista de direitos humanos iraniana Shirin Ebadi, Nobel da Paz de 2003, que falou à Folha na semana passada (com a ajuda de intérprete).
Ebadi, 63, primeira mulher nomeada juíza no Irã, é crítica do regime e não volta ao país desde a véspera do pleito presidencial de 2009.
A ativista, que vive hoje no Reino Unido, vem ao Brasil em junho para o seminário Fronteiras do Pensamento e pretende se encontrar com a presidente Dilma Rousseff.

 

Folha - O que a sra. achou da maneira como Osama bin Laden foi morto pelos EUA?
Shirin Ebadi -
Bin Laden foi um catalisador de muçulmanos radicais que passaram a se dedicar ao terrorismo. Ele trouxe as ações do 11 de Setembro para si, a autoria e responsabilidade pela morte de milhares de inocentes.
O governo americano o convocou a se entregar para ser julgado. Obviamente ele não se apresentou. Ao governo americano não sobrou outra opção a não ser a que vimos na semana passada.

Segundo os EUA, informações cruciais para a operação foram obtidas em Guantánamo. A sra. acha que esse episódio servirá para legitimar a prática de tortura na prisão?
A prisão de Guantánamo é uma vergonha na história da humanidade. No meu discurso de aceitação do Prêmio Nobel em 2003, levantei esse ponto com muita firmeza e condenei a prática dos EUA.
A postura americana em Guantánamo é condenável sob todos os aspectos.
Que os EUA devem mudar sua posição ali é algo inquestionável. Ao mesmo tempo, está claro que uma atitude errada não justifica outra. As duas atitudes estão erradas. Guantánamo não justifica a luta de Bin Laden nem corrige o erro que ele cometeu.

O presidente Mahmoud Ahmadinejad tem tido atritos com o líder supremo, aiatolá Ali Khamenei. A que se deve essa crise? Pode vir a desencadear instabilidade no Irã?
A cisão e o conflito entre Khamenei e Ahmadinejad, sobretudo do ponto de vista ideológico, crescem a cada dia. Isso enfraquece o regime iraniano a olhos vistos.
O conflito não se resume ao presidente e a Khamenei. Veja as relações entre Ahmadinejad e o Parlamento.
Há um descontentamento generalizado, uma energia potencial pronta para ser liberada a qualquer momento, e ninguém sabe como e quando isso acontecerá.

A sra. é a favor do programa nuclear iraniano?
O Irã deve parar o investimento e o enriquecimento de urânio. Sabemos mais do que nunca que a energia nuclear não é segura. Temos reservas de gás abundantes e baratas para geração de energia elétrica. Temos acesso a energia solar devido ao nosso clima.
Se a intenção é produzir energia, devemos interromper esse processo para impedir maiores problemas com a comunidade internacional.

A sra. já se disse contra sanções ao Irã. A condenação no Conselho de Direitos Humanos da ONU não acaba por fazer o jogo americano [maior patrocinador das sanções]?
Muito pelo contrário. Mandar um relator especial ao Irã só ajuda o mundo a estreitar relações com o país e a ONU.
A autoridade apontada pela ONU tem a função de pesquisar e relatar de uma forma neutra e imparcial o que está ocorrendo no Irã. Não vai para criticar ou tomar partido.

A sra. parabenizou a presidente Dilma pelo voto contra o Irã no CDH. Há uma mudança na posição do Brasil?
Na época em que Lula veio ao Irã, ele não entendia plenamente o que estava acontecendo no país. Logo que ficou sabendo do caso específico de Sakineh [Ashtiani, condenada ao apedrejamento por adultério], prontificou-se a ajudá-la e protegê-la.
Nesse momento, ficou claro para nós que o nosso foco deveria ser provar com dados e informações como o regime do Irã oprime o seu povo.
Quando esses dados foram apresentados, o governo brasileiro decidiu votar a favor do povo iraniano. Isso nos deixa em débito com o povo brasileiro e nos alegra muito. Mostra que o Brasil dá atenção aos direitos humanos.

O voto brasileiro não prejudica a proximidade diplomática entre Teerã e Brasília, que a sra. mesmo já defendeu?
O fato de o Brasil votar a favor do povo iraniano não muda as relações comerciais ou diplomáticas com o Irã. A Europa sempre condenou o Irã nos direitos humanos e manteve as relações. Uma coisa não exclui a outra. As relações vão se manter intactas.


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