São Paulo, segunda-feira, 10 de agosto de 2009

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Guerra ao Taleban militariza Islamabad

Bloqueios policiais a cada 2 km e hotéis e prédios que parecem bunkers se tornaram a regra na capital do Paquistão

Restaurantes visados por atender mais ocidentais fecharam as portas depois de um atentado em 2008 ao italiano Luna Caprese


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD

Se já não era mais a capital bucólica dos sonhos dos paquistaneses, a guerra contra o Taleban transformou Islamabad em uma cidade sitiada. Bloqueios a cada dois quilômetros, prédios e ruas transformados em bunkers são a constante.
Na Islamabad Club Road, avenida que liga a região do aeroporto da capital paquistanesa ao centro da cidade, a cena é dantesca. São 10h30 da terça-feira passada, o calor passa dos 41C e a umidade, perto de 90%, diz o relógio esportivo de Mohammad Massoud, produtor de uma TV local.
O tráfego nessa outrora rápida artéria estava parado. Motivo: um dos sistemáticos bloqueios policiais, geralmente formados por três barreiras de concreto e três equipes distintas, duas de policiais comuns e uma, na retaguarda, do esquadrão antiterrorismo.
Os homens estão empapados em suas camisas azuis, e não deixa de ser ironia que uma das empresas que patrocina as barreiras seja a Tasty, de sorvetes.
"O que acontece é que fica todo mundo com medo e tem de adicionar 15 minutos a cada trajeto que faz", diz Massoud.
Um oficial do governo paquistanês com quem a Folha conversou alega algo diferente, e lembra que já são mais de três meses sem incidentes terroristas na capital. Os hotéis, cujas medidas de segurança só fizeram crescer com o advento da ex-"guerra ao terror", são testemunhos vivos do trauma.
Em 2001, o Marriott era o ponto de encontro de jornalistas atrás daqueles fundamentalistas barbudos que mudaram a história; só se deixava a eventual pistola ou fuzil na porta. Agora, ainda em obras após um atentado ano passado, ele parece um bunker.
Mesmo hotéis de menor porte, como o Best Western da Islamabad Club Road, que em 2001 não tinham nem segurança na portaria e em 2008 iniciaram revistas pessoais, agora têm duas barreiras para inspeção dos carros. Capôs e porta-malas são abertos, espelhos passados sob os chassis.
"Nós já temos poucos turistas, e isso não estimula em nada", diz Ali Hafaz, que trabalha em outra fortaleza, a filial da rede Serena no centro de Islamabad. O país recebe cerca de 850 mil turistas por ano -para efeitos de comparação, o pouco visitado Brasil registra 5 milhões de visitantes, enquanto Paris sozinha atrai 45 milhões deles anualmente.

Infraestrutura
A infraestrutura não ajuda muito. Na segunda passada, quando o voo noturno da Emirates pousou na pista simples de Islamabad, foram despejadas mais de 300 pessoas num saguão que lembra uma rodoviária do interior sem ar-condicionado ou organização. Rebatizado de Benazir Bhutto em homenagem à premiê assassinada em 2007 e cujo viúvo, Asif Ali Zardari, é o presidente, o aeroporto promete "providenciar um serviço de imigração de primeiro mundo".
"Devem estar de brincadeira", ri o suíço Hermann, que integra um grupo que está nos minoritários 15% dos visitantes que ainda vêm para fazer turismo. Quando a luz apaga pela terceira vez, ele pergunta para seus colegas de viagem algo como "que diabos é isso?".
O que é uma pena, dadas as riquezas naturais fenomenais do Paquistão, um paraíso para gente como Hermann, que gosta de trekkings com vestígios de antigas civilizações.
"Você não vai querer voltar aqui, eles tinham que mudar isso", diz o jovem Chaudry, que está apertado na fila ao lado, para locais. Ele mora em Dubai e, como a maioria esmagadora no voo e 56% dos visitantes, segundo o Ministério do Turismo, vem ao Paquistão para visitar parentes. Quando ouve que o repórter está pela terceira vez no país, pergunta o motivo. "Ah, jornalista. É, aqui tem muito para vocês", diz, aparentando um justo sarcasmo.
Como diz um diplomata ocidental, a cidade parece morrer lentamente. Restaurantes visados por atender mais ocidentais fecharam depois do atentado ao italiano Luna Caprese em 2008, e os expatriados tendem a comer em casa.
Ruas de áreas abastadas, como os setores F, invariavelmente têm cancelas e barricadas. Construída na mesma época que Brasília, Islamabad segue o conceito de cidade planejada. Como a capital brasileira, a realidade impôs outra organização, e a viela na qual o presidente Zardari tem uma casa, no setor F-8, é vizinha de cortiços potencialmente saborosos para recrutadores do terror.
O presidente, entre a elite governamental mais educada de Islamabad, é visto com alguma desconfiança. A recente colocação de bandeiras verdes, vermelhas e pretas do seu Partido do Povo Paquistanês em todos os postes grandes da cidade foi duramente criticada na mídia. O PPP alega que foi uma "iniciativa de trabalhadores".
Os mesmos agradecem Zardari em alguns cartazes pendurados. Com a taxa de desemprego prevista para este ano na casa dos 10%, apenas as duas grandes obras viárias inauguradas nos últimos meses podem justificar tal "gratidão".
Na terça passada, uma delas, a passagem Faisal, estava fechada por um grande bloqueio. Com suas bandeiras do PPP nos postes, parecia mais um monumento imponente aos problemas do país.


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