São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2010

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Dissidentes ironizam entrevista de Fidel

Opositores lembram que muitos já foram presos por opinar que modelo está superado, como fez ex-ditador

Para alguns, declaração de fracasso é "deslize'; para outros, incentivará discussões sobre reformas na ilha

FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS

Cubanólogos e dissidentes, dentro e fora de Cuba, debatem as intenções e o alcance da declaração de Fidel Castro à revista americana "Atlantic" de que "o modelo cubano não funciona" nem na ilha, muito menos é um artigo de exportação.
Se as motivações do ex-ditador não estão claras -um movimento calculado de enviar uma mensagem aos públicos exterior e interno ou um deslize?-, há consenso entre os analistas de que a admissão do fracasso incentivará as discussões sobre reformas na cúpula do e na base do Partido Comunista.
Para opositores e críticos do regime não se pode reagir senão com ironia: "Fidel Castro passa à oposição", escreveu a blogueira Yoani Sánchez no Twitter.
O marido dela, Reinaldo Escobar, jornalista e também blogueiro, foi mais taxativo: "Ah, obrigada por dizer o que já sabíamos, sobre a disfuncionalidade de um sistema que não funcionou em parte alguma", disse ele à Folha.
"Por causa de declarações como essa, muitos jornalistas, empregados públicos e opositores acabaram na cadeia. Simples assim", disse.

FIDEL E RAÚL
Para Anya Landau French, diretora do programa para a política EUA-Cuba na New America Foundation, de Washington, a frase de Fidel diz "ao mundo" que, ao contrário do que se especulava, não é ele quem freia o ritmo das reformas "estruturais" prometidas por seu irmão Raúl Castro, no poder desde que o ex-ditador ficou doente, em 2006.
French concorda com Julia Sweig, cubanóloga do Council of Foreign Relations que acompanhou o jornalista da "Atlantic" Jeffrey Goldberg na entrevista com o Fidel.
Para Sweig, a declaração de Fidel reconhece o peso excessivo do Estado na economia e "dá espaço" ao reformismo do irmão ante resistências da burocracia do PC cubano gestada por eles próprios em 50 anos.
"O que freia Raúl é o próprio desafio de mudar um sistema onde muitos querem manter suas cotas de poder, querem manter suas conexões com as fontes de recursos", opina French.
Mas para o jornalista e escritor cubano Carlos Montaner, há décadas no exílio, a frase de Fidel parece "um deslize". Para ele, tardia ou não, a palavra do ex-ditador, o evangelho por cinco décadas, tem ainda enorme peso e vai ecoar nas na cúpula e nas bases do partido.
"Algo se move em Cuba, naturalmente. Há debate em curso e é um momento difícil para regimes como esse, quando é preciso fazer mudanças e não há fórmulas a seguir", disse.
"Mas Raúl e sua camarilha têm a intenção de controlar o ritmo das reformas. Não querem outras vozes dizendo: o Fidel disse que não funciona", avalia.
Desde que assumiu, em 2006, Raúl tem implementado reformas liberalizantes na economia. As mais recentes são: incentivo ao investimento estrangeiro em turismo, a legalização de pequenos negócios privados e a demissão de até 1 milhão de funcionários públicos "excedentes".
Além disso, fechou acordo com a promessa de soltar até 52 prisioneiros políticos.
Montaner não descarta que as confissões e mea culpas recentes de Fidel -como a "injustiça" de reprimir gays nos anos 60- sejam uma reação por ter estado prestes a morrer mesclado ao esmero com sua própria biografia.
"Ele está tratando de reescrever sua própria história. A biografia é o mais importante para Fidel."


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