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Dissidentes ironizam entrevista de Fidel
Opositores lembram que muitos já foram presos por opinar que modelo está superado, como fez ex-ditador
Para alguns, declaração de fracasso é "deslize'; para outros, incentivará discussões sobre reformas na ilha
FLÁVIA MARREIRO
DE CARACAS
Cubanólogos e dissidentes, dentro e fora de Cuba, debatem as intenções e o alcance da declaração de Fidel
Castro à revista americana
"Atlantic" de que "o modelo
cubano não funciona" nem
na ilha, muito menos é um
artigo de exportação.
Se as motivações do ex-ditador não estão claras -um
movimento calculado de enviar uma mensagem aos públicos exterior e interno ou
um deslize?-, há consenso
entre os analistas de que a
admissão do fracasso incentivará as discussões sobre reformas na cúpula do e na base do Partido Comunista.
Para opositores e críticos
do regime não se pode reagir
senão com ironia: "Fidel Castro passa à oposição", escreveu a blogueira Yoani Sánchez no Twitter.
O marido dela, Reinaldo
Escobar, jornalista e também
blogueiro, foi mais taxativo:
"Ah, obrigada por dizer o que
já sabíamos, sobre a disfuncionalidade de um sistema
que não funcionou em parte
alguma", disse ele à Folha.
"Por causa de declarações
como essa, muitos jornalistas, empregados públicos e
opositores acabaram na cadeia. Simples assim", disse.
FIDEL E RAÚL
Para Anya Landau French,
diretora do programa para a
política EUA-Cuba na New
America Foundation, de
Washington, a frase de Fidel
diz "ao mundo" que, ao contrário do que se especulava,
não é ele quem freia o ritmo
das reformas "estruturais"
prometidas por seu irmão
Raúl Castro, no poder desde
que o ex-ditador ficou doente, em 2006.
French concorda com Julia
Sweig, cubanóloga do Council of Foreign Relations que
acompanhou o jornalista da
"Atlantic" Jeffrey Goldberg
na entrevista com o Fidel.
Para Sweig, a declaração
de Fidel reconhece o peso excessivo do Estado na economia e "dá espaço" ao reformismo do irmão ante resistências da burocracia do PC
cubano gestada por eles próprios em 50 anos.
"O que freia Raúl é o próprio desafio de mudar um sistema onde muitos querem
manter suas cotas de poder,
querem manter suas conexões com as fontes de recursos", opina French.
Mas para o jornalista e escritor cubano Carlos Montaner, há décadas no exílio, a
frase de Fidel parece "um
deslize". Para ele, tardia ou
não, a palavra do ex-ditador,
o evangelho por cinco décadas, tem ainda enorme peso
e vai ecoar nas na cúpula e
nas bases do partido.
"Algo se move em Cuba,
naturalmente. Há debate em
curso e é um momento difícil
para regimes como esse,
quando é preciso fazer mudanças e não há fórmulas a
seguir", disse.
"Mas Raúl e sua camarilha
têm a intenção de controlar o
ritmo das reformas. Não querem outras vozes dizendo: o
Fidel disse que não funciona", avalia.
Desde que assumiu, em
2006, Raúl tem implementado reformas liberalizantes na
economia. As mais recentes
são: incentivo ao investimento estrangeiro em turismo, a
legalização de pequenos negócios privados e a demissão
de até 1 milhão de funcionários públicos "excedentes".
Além disso, fechou acordo
com a promessa de soltar até
52 prisioneiros políticos.
Montaner não descarta
que as confissões e mea culpas recentes de Fidel -como
a "injustiça" de reprimir gays
nos anos 60- sejam uma
reação por ter estado prestes
a morrer mesclado ao esmero
com sua própria biografia.
"Ele está tratando de reescrever sua própria história. A
biografia é o mais importante
para Fidel."
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